Com PNAE em mais de 100 projetos de lei no Congresso, audiência pública alerta para riscos à alimentação escolar

Discussão no Senado nesta terça (24) mobiliza sociedade civil para analisar PLs que podem impactar as diretrizes da alimentação escolar; atividade tem transmissão ao vivo

24 de outubro de 2023 | Notícias

Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem gerado grande interesse entre parlamentares na elaboração de projetos legislativos nos últimos anos. Neste momento há mais de 100 projetos de lei (PLs) em tramitação no Congresso Nacional com foco no PNAE. Para debater possíveis ameaças e avanços que esses PLs representam, nesta terça-feira (24) acontece uma audiência pública no Senado Federal com transmissão ao vivo.

Durante a audiência pública será apresentada uma nota técnica produzida pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) analisando os PLs em tramitação e os riscos de possíveis mudanças na Lei 11.947/2009, a Lei do PNAE.

“Isso muito nos preocupa, porque a Lei do PNAE foi elaborada cuidadosamente a partir do diálogo com entidades e movimentos da sociedade civil. Ela traz importantes inovações como a obrigatoriedade das compras da agricultura familiar e diretrizes para uma alimentação adequada e saudável”, explica Mariana Santarelli, coordenadora do ÓAÊ.

Com R$ 5,4 bilhões de orçamento federal por ano, o PNAE fornece alimentação escolar diariamente para aproximadamente 40 milhões de estudantes em todos os municípios do Brasil. “Alguns dos PLs em tramitação colocam as diretrizes do programa em risco. São exemplos as propostas que criam reserva de mercado para alimentos como o leite e a carne de porco, atendendo ao lobby desses setores da indústria de alimentos”, aponta Santarelli.

Proteína animal e leite são alimentos que mais consomem recursos do PNAE

Apesar de existirem lobbies para se aumentar a compra de proteína animal e leite com recursos do PNAE, estes já são os alimentos que mais consomem recursos do programa.

Analisando os gastos dos municípios brasileiros com os repasses federais do PNAE por região do país entre 2015 e 2019, é possível constatar que a carne bovina ocupou o primeiro lugar em todo o Brasil. A única exceção é o Nordeste no ano de 2017, quando o item ocupou o segundo lugar.

O frango e o leite fluido se alternaram no segundo e terceiro lugar entre 2015 e 2017. E em 2019 ocorreu uma ampla substituição do leite fluido por leite em pó entre os alimentos mais adquiridos no Norte, Nordeste e Sudeste.

Esses dados não correspondem à participação de tais alimentos nas refeições do PNAE, mas sim ao valor gasto com eles. Cabe ressaltar que a proteína animal possui um custo médio maior que outros itens da alimentação, como arroz e feijão.

Os dados fazem parte de um estudo realizado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), apresentado em policy brief recém-publicado em parceria com o ÓAÊ.

O levantamento mostra que, no ano de 2019, em 40% dos municípios brasileiros os gastos com processados e ultraprocessados nas refeições escolares se limitaram a até 20% dos recursos do PNAE. Comprovando ser possível limitar a oferta desses itens na alimentação escolar, como determina resolução em vigor desde 2021.

Mais propostas de mudanças no PNAE

Entre 2019 e 2023, o Congresso Nacional teve um salto no número de propostas apresentadas relacionadas ao PNAE. Ao todo, foram 193 proposições sobre o PNAE no Congresso neste período, mais que o dobro do registrado entre 2013 e 2018 (96).

Entre essas propostas, é menor o número daquelas que alteram a Lei do PNAE – as proposições legislativas – mas a presença delas tem aumentado, como explica Pedro Vasconcelos, assessor de advocacy da FIAN Brasil.

“A preocupação em fazer mais requerimentos e indicações aponta um papel mais fiscalizador do Congresso. E uma preocupação, como essa de 2023, de fazer mais proposições legislativas indica uma intenção de alterar mais o PNAE. Tanto que o número [total] de 2023, mesmo sendo inferior ao de 2019, é muito mais composto por novos projetos de lei do que de requerimentos”, analisa.

Em tom de alerta, a nota técnica do ÓAÊ defende a garantia dos princípios e condições de implementação do PNAE. “Apesar dos muitos desafios para o seu aperfeiçoamento, é possível afirmar que o PNAE é um programa robusto e eficiente, e que sua lei segue adequada. Ela está devidamente normatizada com importantes avanços, como o alinhamento ao Guia Alimentar para a População Brasileira. Por essa razão, qualquer tipo de alteração da lei deve ser planejada de forma cuidadosa (…) de forma que não sejam comprometidos os princípios e condições de implementação do programa”.

O Observatório da Alimentação Escolar

O Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) foi fundado em 2021 como resultado de uma ação conjunta entre organizações da sociedade civil e movimentos sociais para monitorar e mobilizar a sociedade sobre a importância do PNAE. O ÓAÊ é construído por diversas organizações que compõem seu comitê consultivo, além do FBSSAN e da FIAN Brasil, que constituem seu núcleo executivo. Seu objetivo é ampliar a escuta e o diálogo com estudantes e suas famílias, agricultores/as familiares, profissionais da educação, nutricionistas, comunidade escolar e membros de conselhos que atuam na alimentação escolar, para incidir de forma coletiva na defesa e no fortalecimento desse programa.

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