O PNAE agroecológico pelo Brasil: autonomia das mulheres, resistência e alimentação adequada

Pesquisa demonstra como compras da agroecologia pelo PNAE beneficiam agricultores, comunidades tradicionais e melhoram a alimentação nas escolas

2 de maio de 2023 | Destaque, Notícias

Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar

Nos últimos anos, a agricultura familiar enfrentou dois grandes desafios, um primeiro foi o avanço de políticas neoliberais de ajuste fiscal, nos governos Temer e Bolsonaro, que enfraqueceram as políticas públicas voltadas para a produção e aquisição de alimentos da agricultura familiar – incluindo camponeses, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais – e o segundo desafio foi a pandemia, alterando drasticamente a vida de todas e todos.

A falta de perspectiva de destinos para a produção deixou muitas produtoras e produtores que forneciam alimentos saudáveis para programas como o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar reféns de atravessadores, grandes grupos econômicos e, nos piores casos, sem ter onde vender sua produção. Porém, em 2023, com a retomada de políticas públicas voltadas para esses sujeitos, volta também a perspectiva de fortalecimento da agricultura familiar.

“Quando a gente vendia para o PAA, a gente saiu da mão do atravessador e quando o PAA acabou [durante o governo Bolsonaro], nos sentimos derrotados de voltar para a mão do atravessador. A esperança é que esse ano nós possamos realmente sair da mão do atravessador. E com o aumento [de 34% em 2023] do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) aumentou também a esperança que nós possamos entregar nossos pescados e que nossos recursos sejam girados sempre dentro do município”, conta Eliete Cunha, tesoureira da Associação de Pescadoras e Pescadores de Remanso (BA).

A Pesquisa-ação

O relato de Eliete faz parte de uma das 13 experiências de todo o Brasil que foram estudadas no projeto de pesquisa-ação “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade”.

Percebemos qual era a importância do PNAE, uma das políticas públicas mais capilarizadas, que conseguiu se sustentar apesar dos desmontes dos últimos anos. Uma política pública importante para a garantia do direito à alimentação

“A pesquisa-ação tem sido um processo muito rico. Começou em 2019, era um processo para comemorar e para lembrar dos dez anos da Lei 11.947, que cria a obrigatoriedade da compra de 30% da agricultura familiar [no PNAE]. Nesse meio do caminho, a pesquisa-ação, que conta com nove territórios participantes, já estava sendo desenvolvida e foi atravessada pela pandemia de Covid-19. Com todos os desafios do fechamento das escolas, a interrupção da distribuição da alimentação e tendo que se reinventar a forma de inclusão da agricultura familiar. Percebemos qual era a importância do PNAE, uma das políticas públicas mais capilarizadas, que conseguiu se sustentar apesar dos desmontes dos últimos anos. Uma política pública importante para a garantia do direito à alimentação”, explica Juliana Casemiro, do núcleo executivo do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e integrante do GT-Metodologia da pesquisa-ação.

O estudo foi desenvolvido junto com atores locais – incluindo a comunidade escolar, agricultoras/es, familiares e suas organizações, gestores/as públicos/as, funcionários/as da administração pública envolvidos/as com a execução do PNAE, entre outros – e buscou analisar a inserção de produtos da agricultura familiar e agroecológicos na alimentação escolar brasileira. Com o objetivo de entender os desafios, os avanços e as inovações na implementação do PNAE, tanto na perspectiva das organizações da agricultura familiar quanto dos gestores públicos.

Coordenado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e o FBSSAN, em diálogo com organizações do campo da agroecologia, o projeto ocorreu entre 2019 e 2021 e analisou 13 experiências em 9 territórios do Brasil: Belo Horizonte (MG), Cuiabá (MT), Morros (MA), Paraty (RJ), Remanso (BA), São João das Missões (MG), São João do Triunfo (PR), São José do Egito (PE) e Ubatuba (SP).

Ao longo desse processo, as experiências analisadas foram incorporando ao debate sobre a alimentação escolar temas como o cooperativismo, a economia solidária, o manejo de agroecossistemas e o protagonismo das mulheres.

Protagonismo feminino

No semiárido baiano,  às margens do Rio São Francisco, na região de Juazeiro (BA), a cidade de Remanso apresenta uma dessas experiências de cooperativismo associado ao empoderamento e protagonismo feminimo. A Associação de Pescadoras e Pescadores de Remanso (APPR) começou a ser constituída em 2009 por um grupo de mulheres pescadoras, em um contexto hegemonizado pelos homens, com o objetivo de obter mais autonomia nos trabalhos de produção, beneficiamento e comercialização do pescado.

O processo de criação da associação teve avanços e retrocessos diante de diversas barreiras impostas por grupos locais, que tentavam dificultar a fundação da associação. Mas após muita persistência, a associação não apenas foi criada, como também passou a vender para o PAA e o PNAE, introduzindo na alimentação das escolas espécies de peixes como pescada, tilápia, tucunaré e cari como filé, além de conserva (peixe cozido em molho de tomate), linguiça, almôndega e hambúrguer de pescado.

Sempre fui pescadora, desde o nascimento, mas só que não me reconhecia como pescadora. Sempre eu falava ‘eu sou a mulher do pescador’. Com a associação e a entrega para o PAA e o PNAE eu tive a autonomia de me autorreconhecer, ter a força de dizer ‘eu sou pescadora’ e trazer outras mulheres para também se reconhecer

A pescadora Eliete Cunha descreve isso como um processo de autorreconhecimento. “Na criação da associação, ela nos deu autonomia de nos reconhecer como pescadoras e, com a entrega do PNAE e do PAA, nos deu mais força para que nós possamos nos autorreconhecer como pescadoras. Sempre fui pescadora, desde o nascimento, mas só que não me reconhecia como pescadora. Sempre eu falava ‘eu sou a mulher do pescador’. Com a associação e a entrega para o PAA e o PNAE eu tive a autonomia de me autorreconhecer, ter a força de dizer ‘eu sou pescadora’ e trazer outras mulheres de pescadores para também se reconhecer”.

Além de introduzir as espécies de pescado no cardápio, aumentando a variedade nutricional, as vendas para a agricultura familiar fortaleceram a organização das mulheres, valorizando a identidade cultural e alimentar local.

Em outra experiência, agora na capital mineira Belo Horizonte, o protagonismo feminimo aparece na agricultura urbana, produzindo alimentos para a alimentação escolar. Quem conta sobre essa experiência é a Diana Rodrigues, nutricionista, pesquisadora e integrante do Grupo AUÊ! – Estudos em Agricultura Urbana – da UFMG, que acompanha mulheres agricultoras urbanas de produção 100% agroecológica.

“A ideia é que a gente consegue garantir que esses alimentos são de boa qualidade nutricional, sem uso de agrotóxicos, tanto para as crianças, quanto para as mulheres, que garantem soberania também para suas casas, autoconfiança e empoderamento. Fortalece tanto as mulheres como também a alimentação escolar”, relata Diana, que enfatiza “sem feminismo não há agroecologia”.

Segundo ela, na cidade existe um histórico de apoio do poder público à agricultura urbana local, que há mais de 20 anos fornece alimentos para as escolas da cidade – comprados através do caixa escolar -, contando atualmente com o apoio técnico fornecido pela prefeitura, com uma matriz de produção agroecológica.

Foram muitos os relatos sobre barreiras impostas às mulheres que buscam autonomia econômica a partir da produção familiar. É o caso da experiência em Morros (MA), cidade ribeirinha do interior do Maranhão localizada a 60 km em linha reta da capital São Luís (MA).

Elas achavam que nunca teriam autonomia para sair dali e teve muito entrave dos maridos. Mas a gente foi até elas, fizemos reuniões e reuniões, palestras e mais palestras. Hoje elas tomaram sua autonomia de ter a sua própria renda

Maria Léia Borges, presidenta da Associação Agroecológica Tijupá, descreve o desafio diante de gestões públicas que não respeitam ou valorizam o protagonismo feminino. “Quando mudam os gestores é um grande desafio para a gente. Mas a gente nunca desistiu. A gente vai mesmo pra cima buscar os resultados. Mas tem uma gestão que às vezes não aceita, né? As mulheres terem essa autonomia de fala, de briga, de resistência”, explica.

Léia, como é chamada, faz parte de um coletivo de mulheres organizadas a partir das feiras agroecológicas que acontecem todas as quartas-feiras, em um circuito que percorre Morros e mais três municípios vizinhos. O grupo também realiza feiras agroecológicas na capital, uma vez por mês, e produz para a venda ao PNAE.

Toda a produção é agroecológica, realizada com Sistemas Agroflorestais (SAF’s), incluindo frutíferas locais e outras introduzidas, além de hortas e roçados. “De lá, além da gente levar a farinha, a tapioca, o subproduto da mandioca, os produtos que são vendidos na feira, a gente também leva o do roçado. E também plantas medicinais, cascas e raízes. Trabalhamos com esses remédios caseiros, xaropes, enfim. É um monte de coisa”.

O processo de organização das agricultoras precisou de tempo e persistência. “Elas achavam que nunca teriam autonomia para sair dali e teve muito entrave dos maridos. Mas a gente foi até elas, fizemos reuniões e reuniões, palestras e mais palestras. Hoje elas tomaram sua autonomia de ter a sua própria renda. A gente, hoje, sabe como escoar a produção e também manipular os alimentos”, relata.

Geração de renda

O que os casos e relatos apresentados mostram é que a geração de renda local, em especial para as mulheres, é um dos impactos mais importantes das compras diretas da agricultura familiar para o PNAE. A renda obtida pelas famílias com essas vendas acaba girando dentro do próprio território, gerando um ciclo de desenvolvimento local.

Maria Léia se anima em falar dos resultados que obtiveram através da organização para a produção e venda de alimentos agroecológicos tanto nas feiras como também para o PNAE. “Para nós é muito gratificante porque, além da gente buscar com a agroecologia mais saúde nas mesas dos agricultores e dos consumidores que estão ao nosso redor, a gente tem autonomia de finanças. Uma renda a mais que entrou na família e nas nossas casas, que eram de taipa. A gente hoje já tem uma casinha melhor, de alvenaria, temos o fogão do jeito que a gente quer, temos já o freezer para armazenar polpa. Então, tudo isso é o trabalho que entra do PNAE e das feiras”.

Em São José do Egito (PE), no Sertão do Pajeú, existe a Apomel (Associação de Apicultores e Meliponicultores Orgânicos do Alto Pajeú), que reúne mais de 40 famílias de agricultores. Entre elas está a de Pedro Ivo Leite.


É através da entidade que o grupo realiza as vendas para o PNAE e atende, desde 2010, aproximadamente 20 escolas municipais de São José do Egito. “A gente começou vendendo mel, mas as crianças não aceitaram. Aí a gente começou a vender outros tipos de mercadoria para a merenda escolar, via PNAE. A gente tem 14 itens, a polpa de fruta, carne bovina, carne caprina, salada de frutas, outros tipos de animais, ervas e outras variedades também”, descreve Pedro.

Adilson Alves Viana é assessor político-pedagógico da ONG Diaconia no Sertão do Pajeú. A ONG assessora a Apomel no acesso ao PNAE. Segundo ele, o PNAE gera um ciclo de desenvolvimento e investimento local, muito importante para manter os agricultores no campo, além de oferecer alimentos saudáveis na cidade.

“Tanto o PNAE como esses programas institucionais de compra de aquisição de alimentos, eles ajudaram a mudar o território. Os agricultores passaram a investir, passaram a melhorar a capacidade produtiva, melhorar suas casas e comprar móveis e imóveis. Então, o PNAE tem impacto, além da vida dos agricultores, da qualidade de vida dos agricultores, mas também oferecendo uma alimentação de qualidade, uma alimentação de verdade para os alunos e alunas do município. E muitos deles são filhos e netos dos próprios agricultores. Essa relação, esse ciclo, é muito importante”, explica Adilson.

Segundo ele, através da metodologia da pesquisa-ação foi possível calcular que a Apomel comercializou quase R$ 1 milhão com a venda de 28 tipos de produtos para o PNAE entre 2009 e 2021.

Resistência socioterritorial

O ciclo de desenvolvimento gerado nos territórios pelas vendas ao PNAE se repete em todas as experiências analisadas. Um dos reflexos nas zonas rurais é a permanência dessas populações nos territórios onde vivem, melhorando sua qualidade de vida, reduzindo o êxodo rural e preservando a cultura local.

Um outro relato vem da Terra Indígena (T.I.) Xakriabá, que possui aproximadamente 47 mil hectares de extensão e está localizada entre os municípios de São João das Missões (88% da T.I.) e Itacarambi, no Norte de Minas Gerais. No território vivem 8 mil indígenas, distribuídos em 37 aldeias. Lá, os refrigerantes que eram presentes na alimentação escolar, foram substituídos por polpas de sucos de frutas nativas.

Edna Alves de Barros é do povo Xakriabá e diretora na Escola Estadual Indígena Aldeia Riacho do Brejo. A gestão do PNAE é descentralizada, o que significa que a escola realiza chamadas públicas para a aquisição de alimentos, e compra alimentos localmente, respeitando o mínimo de 30% para a compra da agricultura familiar. Quem fornece são os próprios agricultores indígenas que vivem ali. Ela descreve a importância dessas compras locais para a comunidade indígena.

A gente fica feliz de estar ajudando o próprio povo. Pensar que é um pai de um aluno fornecendo o alimento para a escola. Então, uma das coisas que está valorizando o nosso povo, está entregando o próprio alimento da própria região

“Para a gente comprar dos nossos próprios agricultores indígenas, do território Xakriabá, essa porcentagem [mínima de 30%] é uma felicidade imensa, porque a gente sabe que ajuda as comunidades, ajuda nosso povo. E o PNAE é importante porque a gente sabe que o PNAE traz uma alimentação rica para os nossos alunos. E as escolas indígenas, graças a Deus, conseguem comprar através do caixa escolar. O PNAE veio para ajudar as famílias, está favorecendo muito as famílias e melhorou muito a renda nas comunidades. A gente fica feliz de estar ajudando o próprio povo. Pensar que é um pai de um aluno fornecendo o alimento para a escola. Então, uma das coisas que está valorizando o nosso povo, está entregando o próprio alimento da própria região”, aponta Edna.

Segundo ela, o cardápio que chega, definido pelas nutricionistas do governo do estado, ainda não contempla totalmente a produção local, mas são feitos ajustes para substituir os alimentos que não existem no território por alimentos produzidos na T.I.

“Então, a gente reúne com o colegiado e levanta a demanda juntamente com o cardápio escolar. O cardápio escolar ainda não cumpre nossas especificidades. Ainda tem a alimentação que não está específica da nossa cultura no nosso cardápio escolar, mas a gente tenta comprar o que está escrito ali no cardápio. Tem coisa que os agricultores não produzem e infelizmente a gente não consegue comprar aquele alimento, mas a gente compra outro alimento que a comunidade produz”, conta.

A ausência de alguns alimentos tradicionais no cardápio das escolas indígenas Xakriabá, por questões burocráticas, são motivo de questionamentos na comunidade indígena, como aponta Marilsa Lopo de Oliveira, professora e integrante do colegiado escolar.

Nossas crianças são acostumadas, comendo no seu dia a dia, tudo que a gente planta, produz e colhe dentro do território. Por que só na merenda escolar ela não pode comer aquele produto?

“A gente tem as necessidades também de vender ou até mesmo a questão do que a gente acha mais saudável para nossos alunos. Como a questão dos alimentos que a gente próprio produz e que é acostumado a comer no dia a dia. A carne do porco suíno, que é criado no quintal da casa, a galinha caipira e diversos outros tipos de alimento, como os frutos do cerrado, umbu, o pequi e a manga que a gente colhe também, acerola. Alguns desses produtos a gente não consegue vender por causa da questão do selo que não tem. Então não é autorizada a venda desses produtos. A gente acaba tendo que consumir um pouco desses alimentos comprados de fora. Uma coisa que a gente observa dentro do nosso território é que as nossas crianças são acostumadas, comendo no seu dia a dia, tudo que a gente planta, produz e colhe dentro do território. Por que só na merenda escolar ela não pode comer, sendo que já está na convivência dela comer aquele produto? Todas as crianças do nosso território, todos os servidores, quadro de funcionários, são todos indígenas, então são pessoas que estão acostumadas a comer aquele alimento diariamente”, questiona Marilsa.

Um dos principais desafios para a produção de alimentos na T.I. Xakriabá é a comercialização da produção, o que está sendo superado com a  formação de um coletivo formado por produtores de todas as aldeias da T.I. É a partir deste coletivo que são feitas as vendas diretamente para as escolas. É também um espaço para a troca de experiências e tecnologias agroecológicas, como explica Nicolau Gonçalves Alquimim, agricultor indígena e membro do coletivo de agricultores.

Hoje tem o coletivo do território, que abrange as 37 aldeias. Nós estamos numa região semiárida, com um monte de dificuldade de água, mas com os canteiros econômicos com pouca água você tem bastante produção. Para nós é importante, porque há geração de renda, muita gente da região nossa sai para o corte de cana, sai para a colheita da laranja, colheita do café

“Hoje tem o coletivo do território, que abrange as 37 aldeias. Por ele cada agricultor que está na sua aldeia, dois ou três agricultores, vendem a sua produção. Aí eles estão dentro do coletivo e a gente apresenta para as escolas. Esse grupo de agricultores vai poder vender para a merenda escolar, de dez escolas. Hoje somos dez escolas, mas para mais de 30 e poucos endereços, porque cada escola hoje, vamos supor, uma escola, tem uma secretaria e ela tem quatro, cinco endereços, que outras aldeias fazem parte. A gente produz, por exemplo, mandioca mansa, a batata, a melancia, a abóbora, tomate, alface, cenoura, beterraba, todos os produtos que vende de hortaliças, o feijão da arranca e o feijão catador. E nós estamos numa região semiárida, com um monte de dificuldade de água, mas, assim, com bastante carinho, o pouco de água que tem a gente está buscando alternativas com os canteiros econômicos, onde, com pouca água, você molha e tem bastante produção”, detalha Nicolau.

A garantia de compra pelas escolas indígenas, favorece a permanência na terra indígena, além de ser um incentivo para permanência dos filhos desses agricultores na escola. “Para nós é importante, porque há geração de renda, porque muita gente da região nossa sai para o corte de cana, sai para a colheita da laranja, colheita do café. Então, tem muita gente que sai ainda, mas tem os agricultores com suas famílias ali, dando um suporte também, mantendo seus filhos na escola”, conclui Alquimim.

Fortalecimento do PNAE e próximos passos

Elisabeth (Beth) Cardoso é agrônoma e doutora em recursos naturais e gestão sustentável, atualmente ela é Chefe de Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Ela foi uma das idealizadoras, junto com o CTA/ZM (Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata) e a ANA, da “Caderneta Agroecológica: o saber e o fazer das mulheres do campo, das florestas e das águas”, publicação que sistematizou 300 experiências agroecológicas e de quintais produtivos em 16 estados brasileiros entre 2016 e 2018, onde se reforça o impacto social e protagonismo feminino gerado pelas compras da agricultura familiar feitas pelo PNAE.

“A gente percebe quando se criou a lei da obrigatoriedade de 30% da compra de alimentos para alimentação escolar vindo da agricultura familiar, o quanto melhorou a qualidade da alimentação. Então acho que isso é uma coisa inegável, que no Brasil foi uma grande conquista. Eu sou de uma época que a gente comia salsicha na alimentação escolar. Assistir essa salsicha sendo substituída por alimento saudável, produzido na região, produzido pela agricultura familiar, muitas vezes pelos pais e mães daquela criança que está na escola, é muito bom. Aquele produto que é feito com amor, com carinho, que é da região, que fortalece a economia local. Então, quando se compra dos entrepostos, você compra os alimentos processados e ultraprocessados. Você não está fortalecendo a economia do município. Então, para as prefeituras, eu vejo que é um grande negócio. A agricultura familiar é o que tem sustentado a nossa mesa. E nós precisamos reconhecer isso criando políticas e mecanismos para que a gente possa comprar, que o próprio governo possa comprar da agricultura familiar, porque inclusive a gente tem essa meta de tirar, de novo, o Brasil do mapa da fome”, afirma Beth.

Gabriel Fernandes, coordenador executivo do CTA-ZM e integrante do GT Biodiversidade da ANA, também aponta a importância social dessa retomada de fortalecimento de políticas públicas como o PNAE. “A gente entende que essa política da alimentação escolar, que garante o abastecimento para uma parte da produção que vem da agricultura familiar, mas que pode aumentar, é uma oportunidade muito grande que o Brasil já executou, já tem essa experiência de garantir mercados para a agricultura familiar por um lado, e, por outro, garantir que as crianças nas escolas estão tendo acesso a um alimento local, um alimento de qualidade, um alimento saudável”.

As experiências acompanhadas no projeto de pesquisa-ação “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade” foram compartilhadas durante o Seminário “O Programa Nacional de Alimentação Escolar: Olhares a partir da Agricultura Familiar e Agroecologia no Brasil”, realizado em Viçosa (MG), entre 11 e 12 de abril de 2023. O seminário foi o momento de encontro dos sujeitos protagonistas da pesquisa, junto de pesquisadores, representantes de entidades, organizações e poder público, para apresentar os resultados e apontar perspectivas futuras.

Para Vanessa Schotz, membro do FBSSAN e do GT Mulheres da ANA, o seminário foi um momento de compartilhar os aprendizados acumulados ao longo dos dois anos de pequisa-ação e também de apontar caminhos para a incidência política por mais avanços.

“Ouvindo as experiências dos nove territórios, identificando os desafios e refletindo sobre eles para o acesso ao programa, mas também, e ao mesmo tempo, identificando os aprendizados e as propostas de políticas públicas para que a gente possa cada vez mais ir qualificando o programa e garantindo o acesso da agricultura familiar e da agroecologia a esse mercado institucional tão importante que é a alimentação escolar. E vamos ao final do seminário também construir um conjunto de propostas para nossa articulação em rede, para continuarmos incidindo nesse programa de alimentação escolar, que é estratégico para a garantia da segurança alimentar e nutricional e que também é tão estratégico para o fortalecimento da agricultura familiar e da agroecologia nos territórios”, compartilha Vanessa.

Nesta mesma linha, Morgana Maselli, da secretaria executiva da ANA, explica que o seminário demarca a conclusão da pesquisa-ação, porém não é um encerramento dessa articulação construída, compreendendo que seus desdobramentos serão executados a partir do que foi construído até aqui.

Estão reunidos aqui agentes dos nove territórios que participaram da pesquisa para a gente avaliar como é que foi esse processo, trazer um pouco dos resultados. Falando sobre os desafios e avanços na implementação do PNAE nesses territórios, que participaram da pesquisa. E poder traçar coletivamente aqui algumas estratégias de incidência política para melhorar a execução do programa nos próximos anos

“Esse seminário aqui hoje é para concluir o processo da pesquisa-ação “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade” que a ANA desenvolveu junto com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar nos últimos anos. Estão reunidos aqui agentes dos nove territórios que participaram da pesquisa para a gente avaliar como é que foi esse processo, trazer um pouco dos resultados. Falando sobre os desafios e avanços na implementação do PNAE nesses territórios, que participaram da pesquisa. E poder traçar coletivamente aqui algumas estratégias de incidência política para melhorar a execução do programa nos próximos anos. Aproveitando que agora a gente consegue voltar a ter diálogo com o governo federal para tratar dessa política pública”, finaliza Morgana.

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