Organizações celebram recriação do Comitê Gestor do PNAE e apontam pautas urgentes

Com colegiado recriado após quatro anos, representantes da sociedade civil apontam importância da participação social e apresentam pautas prioritárias

9 de junho de 2023 | Destaque, Notícias

Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar

Para aprimorar a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o novo Comitê Gestor do PNAE, constituído por representantes do governo federal e órgãos governamentais, realizou sua primeira reunião conjuntamente ao seu Grupo Consultivo, instância de participação social composta por representantes da sociedade civil. Diversos setores ligados à defesa da alimentação escolar celebram a recriação de espaços de incidência e monitoramento sobre o PNAE, apontando perspectivas de atuação após os colegiados ficarem inativos desde 2019.

A primeira reunião foi um momento de reconhecimento e apresentação, que teve como pauta principal as soluções que estão sendo buscadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário para superar os problemas do novo Cadastro da Agricultura Familiar (CAF). A boa notícia é que em breve serão publicadas novas regulamentações que simplificam as exigência documentais, criando, por exemplo, a possibilidade de auto-declaração de pertencimento a determinada terra ou território, no caso de assentamentos, terras indígenas e territórios quilombolas. Esta medida, que tem como objetivo superar as dificuldades de acesso à compras públicas enfrentada por povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, foi apresentada pelo MPF como recomendação ao governo federal.

Segundo Mariana Santarelli, coordenadora do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) e representante da FIAN Brasil no Grupo Consultivo, “este é um espaço fundamental para o debate sobre as normativas do PNAE, sobretudo para que elas possam atender às demandas dos movimentos camponeses, indígena e quilombola, e para que alimentos mais saudáveis possam compor o prato de estudantes”.

A recriação do Comitê Gestor do PNAE representa a reorientação do PNAE a partir de princípios de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), retomando um processo iniciado em 2003 com a institucionalização do Sistema e da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). Esse processo inclui a Lei do PNAE (Lei Federal nº 11.947/2009), um conjunto de políticas voltadas para a agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e a ampliação e fortalecimento dos espaços de governança e de participação e controle social.

Retomada da participação social

Na ausência do Comitê Consultivo, durante os anos de desmonte, iniciativas como o Observatório da Alimentação Escolar tiveram papel estratégico na defesa destas políticas, é o que explica Vanessa Schottz, integrante do Grupo Consultivo pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

“Mesmo em um cenário de intenso desmonte e fragilização dos espaços de monitoramento e controle social, em âmbito nacional, a atuação articulada da sociedade civil em torno da defesa do PNAE tem cumprido um papel de suma importância frente às diversas iniciativas legislativas de desvirtuamento do programa que se intensificaram a partir de 2019”, detalha Vanessa.

Desafios operacionais para Agricultura Familiar

Durante os quatro anos em que o PNAE ficou sem o Comitê Gestor praticamente não houve diálogo entre gestores e agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais sobre as possibilidades e dificuldades no fornecimento dos alimentos. Quem descreve esse contexto é Décio Lauri Sieb, que integra o Grupo Consultivo representando a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Segundo ele, neste momento é necessária a construção de uma estratégia de atuação e articulação do Comitê Gestor e entidades do Grupo Consultivo junto aos gestores estaduais e municipais para restabelecer as compras da agricultura familiar a níveis iguais ou maiores que antes da pandemia de COVID-19.

“[É preciso] tratar das resoluções sobre orientações do FNDE em relação aos aspectos operacionais, armazenagem, logística de distribuição, preços pagos aos produtos, fracionamento das entregas, custos, aquisições de alimentos de época e discussão prévia com gestores sobre as aquisições. E avançar na análise e estratégias de atuação em relação aos projetos de lei no Congresso Nacional, que podem contribuir para a melhoria ou prejudicar o programa”, descreve Siab.

Acesso para povos indígenas e comunidades tradicionais

A participação social no PNAE é fundamental para a defesa do direito à alimentação escolar de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, que historicamente sofrem com a omissão do poder público, a insuficiências de políticas públicas e o racismo institucional.

Maria Emília Pacheco é representante da Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil no Grupo Consultivo do PNAE. A Catrapovos Brasil existe desde 2021 e é formada por representantes de órgãos públicos e da sociedade civil, sob a coordenação do Ministério Público Federal (MPF). O objetivo da Catrapovos é estudar, monitorar e cobrar medidas que viabilizem a compra pelo poder público de alimentos produzidos diretamente pelos povos indígenas, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais para a alimentação escolar.

De acordo com Maria Emília, “a retomada do Grupo Consultivo significa afirmar os valores da cidadania e democracia. Significa romper o silêncio autoritário que se impôs no governo anterior. As contribuições das organizações da sociedade civil precisam ser reconhecidas pois influenciam o desenho das políticas”, defende ela, apontando como exemplo o processo que culminou na Lei do PNAE.

Ela lista que foi a partir da participação social, que a Lei do PNAE incluiu a cobertura de toda a educação básica, a inclusão de Educação Alimentar e Nutricional nos currículos, a definição de diretrizes nutricionais para aquisição dos alimentos e a definição de que 30% dos recursos do PNAE que são destinados à compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar.

Para a representante da Catrapovos, um dos pontos prioritários para esse novo Comitê Gestor do PNAE é a valorização da biodiversidade e das culturas alimentares nos territórios brasileiros, para que o programa “potencialize as economias locais e regionais, com garantia de melhores renda para os segmentos da agricultura familiar. Isto significa a contraposição às propostas de reserva de mercado presentes em projetos de lei em debate no Congresso Nacional, a exemplo da proposta da inclusão do leite nos cardápios”.

Como uma medida urgente a ser implementada, Maria Emília apresenta como proposta a retirada da exigência do Cadastro da Agricultura Familiar (CAF) para que povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais possam vender alimentos aos programas de aquisição de alimentos. 

Fortalecer os Conselhos de Alimentação Escolar

Outro desafio no controle social do PNAE é garantir que as diretrizes nacionais sejam devidamente implementadas nos territórios. E para assegurar isso, existem diversos espaços como os Conselhos de Alimentação Escolar (CAEs), além dos Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEAs), e os Conselhos de Educação (CEs). 

“Nós tivemos um desmonte do controle social por parte do governo federal, inclusive o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), que foi na época extinto, e agora retorna”, descreve Marcelo Colonato, membro do Grupo Consultivo representando o Fórum Nacional dos Conselhos de Alimentação Escolar.

Colonato explica que hoje existem Conselhos de Alimentação Escolar em todos os municípios e em todos os estados do Brasil, sem exceção. Isso porque, pela legislação, é necessário que existam esses conselhos nos municípios e estados para que as entidades executoras – as prefeituras e os governos estaduais – recebam os recursos do PNAE. Porém, em alguns casos, os conselhos são criados por mera formalidade, sem que haja formação, capacitação e um grupo atuante que assegure o devido controle social do PNAE naquele local. Para ele, é necessário pensar no Comitê Gestor do PNAE processos de formações e encontros regionais e estaduais para formar e qualificar mais a atuação dos CAEs.

“Em relação ao controle social, a gente precisa realmente capacitar e preparar mais os Conselhos de Alimentação Escolar. Isso é o pilar de tudo, porque através da capacitação, da formação dos conselheiros é que a gente vai ter um controle social mais atuante e mais ativo nos diversos municípios do país”, conclui.

Recriação

O Comitê Gestor do PNAE e seu Grupo Consultivo foram reinstituídos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), através da Portaria nº 219/2023, com cerimônia oficial realizada durante a 2ª edição do “Congresso Internacional de Alimentação Escolar”, realizado pelo FNDE entre os dias 23 e 25 de maio de 2023. E a primeira reunião aconteceu no dia 31 de maio.

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