Por Luana de Lima Cunha e Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)
Agricultores familiares que compõem povos indígenas, comunidades quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais (PCTs) podem utilizar o Número de Inscrição Social (NIS) como meio de cadastro para realizar a venda de alimentos ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A medida foi apresentada em nota técnica do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que orienta as entidades executoras do PNAE a aceitarem essa nova opção de cadastro como alternativa ao CAF (Cadastrado da Agricultura Familiar) e a DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf).
A atualização da documentação exigida de fornecedores indígenas e de comunidades tradicionais visa facilitar o acesso das famílias da agricultura familiar no fornecimento de alimentos para o PNAE – sobretudo por famílias de baixa renda e atendidas por programas sociais, como o Bolsa Família. O NIS é utilizado no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal.
Como usar o NIS para vender ao PNAE?
A nota técnica indica que as entidades executoras do PNAE – secretarias de educação dos estados, municípios e do Distrito Federal, além de escolas federais – aceitem o registro do NIS de agricultores familiares indígenas, quilombolas e outros PCTs que compõem os Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos no CadÚnico.
Atualmente, o CadÚnico identifica como grupos populacionais tradicionais e específicos: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, pescadores artesanais, ciganos, comunidades de terreiro, agricultores familiares, assentados da reforma agrária, acampados, famílias em situação de rua, famílias beneficiárias do Programa Nacional do Crédito Fundiário, famílias atingidas por empreendimentos de infraestrutura (ex. atingidos por barragens), famílias de resgatados da condição de trabalho análogo à de escravidão, famílias de Catadores de Material Reciclável e famílias de presos do Sistema Carcerário.
Para descobrir o seu Número de Identificação Social (NIS) de forma on-line, acesse o site do CadÚnico clicando aqui, insira o seu CPF (Cadastro de Pessoa Física) e a data de nascimento. Caso não tenha NIS ou esteja com o cadastro do CadÚnico desatualizado, procure o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) mais próximo de sua residência para fazer o seu cadastramento ou atualizar os seus dados. Você pode consultar qual o CRAS mais próximo clicando aqui.
Mais acesso ao PNAE
A orientação do FNDE é celebrada por agricultores familiares que compõem povos e comunidades tradicionais. É o caso da Maria de Lourdes da Silva, conhecida como Lurdinha. Ela é agricultura familiar da Comunidade Quilombola Conceição das Crioulas, no município de Salgueiro, Sertão Central de Pernambuco, a 550 km de Recife. A agricultora quilombola também é membro do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) de Pernambuco.
“Vou correr atrás, porque pra mim, a lei só está valendo se tiver sendo de fato atendida, executada. E eu estou muito ansiosa para ver os resultados. Até porque eu sou uma das agricultoras que também quer e vai pleitear, quero entregar também. Uma oportunidade de vender nossa produção e gerar renda dentro do quilombo, dentro da localidade”, relata Lurdinha.
A agricultora quilombola reflete sobre como a medida pode contribuir para reforçar a identidade de povos e comunidades tradicionais. “É uma coisa que vem para fortalecer essa identidade também, além de você realmente ser quilombola, através do NIS você vai poder vender alimentos, então você vai querer reafirmar mesmo, ser aquilo que você realmente é”.
A legislação atual do PNAE já determina o mínimo de 30% dos recursos do programa para a compra de alimentos vindos da agricultura familiar, priorizando povos indígenas, comunidades quilombolas, assentados da reforma agrária, mulheres e outros povos e comunidades tradicionais. Porém, muitas dessas famílias não vendem ao PNAE por não possuírem a documentação necessária.
“Com a publicação desta nota técnica, um contingente grande de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, que não podiam participar das chamadas públicas de compra da alimentação escolar por não terem o CAF, vão poder passar a participar dessas chamadas”, analisa Vanessa Schottz, representante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) no Comitê Consultivo do PNAE.
Ela complementa que a medida possui como exemplo exitoso a experiência no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Os dados do PAA neste ano, com o lançamento da chamada pública com o uso do NIS, já apontou o aumento na participação de povos e comunidades tradicionais e povos indígenas. Então a gente acredita que vamos ter esse mesmo efeito também em relação ao PNAE”, conta Schottz.
Participação social
A medida apresentada na nota técnica reflete a participação da sociedade civil no controle social do PNAE a partir do Grupo Consultivo – restituído em 2023, após ser extinto no governo Bolsonaro. A instância de participação social composta por representantes da sociedade civil assessora o Comitê Gestor do PNAE na implementação de ações voltadas à agricultura familiar e na discussão sobre os marcos normativos para o fortalecimento e a superação de dificuldades no acesso e implementação do programa.
“É importante destacar que tão logo o Comitê Gestor e o Grupo Consultivo do PNAE começaram a se reunir, essa temática do acesso de povos e comunidades tradicionais e de povos indígenas foi definida como uma temática central, estratégica, sendo para isso formado um grupo de trabalho. E a partir das discussões desse grupo de trabalho, com representação de órgãos de governo e também de membros do grupo consultivo, a gente conseguiu avançar na construção dessa nota técnica a partir desse diálogo com a coordenação geral do Programa Nacional de Alimentação Escolar”, relata Schottz.
Resultado da articulação entre instituições do poder público, movimentos indígenas, comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil, a Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil foi instituída pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, em 2021, para fomentar a adoção da alimentação tradicional em escolas indígenas, quilombolas e de comunidades ribeirinhas, extrativistas e caiçaras, como determina a Lei do PNAE.
Segundo Maria Emília Pacheco, representante da Catrapovos Brasil no Grupo Consultivo do PNAE, a medida é importante para garantir as diretrizes do programa sobre a compra da agricultura familiar, possibilitando uma alimentação escolar mais saudável, adequada e sustentável.
“Ao favorecer que os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais façam a venda de alimentos para o PNAE há um processo de democratização no acesso a esse estratégico programa. Os alimentos tradicionais das culturas alimentares desses povos estarão mais presentes nos cardápios substituindo os produtos alimentícios ultraprocessados que não são saudáveis e que têm chegado nas escolas onde vivem esses povos. Ao ativar os circuitos curtos de comercialização essa medida contribui para o enfrentamento também das mudanças climáticas porque evitam que os alimentos percorram grandes distâncias para abastecer as escolas”, descreve Maria Emília.
Para ela, neste momento de implementação, “os desafios residem no entendimento da medida e sua incorporação pelas prefeituras e Conselhos de Alimentação Escolar. Será importante a ampla distribuição da nota técnica acompanhada de seminários e oficinas que envolvam também representações das organizações desses povos e comunidades e organizações da sociedade civil que apoiam esta causa”, conclui Pacheco.
Entre as organizações da sociedade civil e movimentos sociais que constroem o Grupo Consultivo do PNAE, algumas fazem parte também do Comitê Consultivo do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), são elas a FIAN Brasil, o FBSSAN, a Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), o Fórum Nacional dos Conselhos de Alimentação Escolar (FNCAE), a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).