Apesar de amplo processo de pressão de especialistas, organizações e movimentos ligados à educação e à soberania e segurança alimentar, deputados e deputadas aprovaram ontem o PL 2.392/2020, de autoria do Deputado Major Vitor Hugo (PSL/GO), e de relatoria do Deputado Carlos Jordy (PSL/RS), que enfraquece o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A decisão tomada passou por cima de uma série de pareceres técnicos contrários ao PL. A Comissão de Educação votou pela rejeição, sendo esse também o posicionamento oficial do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC), do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), da Casa Civil, e do Ministério Público Federal.
Foram dois os principais prejuízos para o PNAE, que ainda podem ser revistos pelo Senado Federal. O primeiro foi a aprovação da criação de uma cota para aquisição de leite em sua forma fluida. Isto cria um perigoso precedente de reserva de mercado, deixando o PNAE vulnerável a todo tipo de lobby legislativo, uma vez que o cardápio do PNAE passaria a ser definido no Congresso Nacional, e não por técnicos nutricionistas. Essa mudança fere a autonomia de estados e municípios na definição de cardápios, que devem ser definidos localmente, respeitando os hábitos e cultura alimentar da localidade, a sazonalidade, diversificação e promoção da alimentação adequada e saudável. O segundo prejuízo foi a retirada da prioridade dos assentamentos da reforma agrária e comunidades indígenas e quilombolas no fornecimento de alimentos da merenda escolar, o que alija ainda mais estes povos do acesso aos mercados.
Ao longo da sessão, o Deputado Major Vitor Hugo (PSL/GO) acusou inúmeras vezes os que rejeitam seu PL de estarem contra os agricultores familiares produtores de leite, revelando seu desconhecimento sobre o conjunto de políticas de abastecimento alimentar. Se a intenção dos deputados da base governista é ajudar os agricultores familiares produtores de leite, o que concordamos, é preciso solicitar ao Presidente Bolsonaro e à Ministra Tereza Cristina que usem os recursos do Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) para a compra de leite e garanta sua distribuição aos que têm fome.
Em 2020 a PGPM contava com um orçamento de 1,4 bilhão de reais, dos quais apenas 167 milhões (11,9%) foram executados. Para 2021, o orçamento é de 1,39 bilhão, parte dos quais pode e deve ser utilizado na compra de leite dos pequenos produtores. Outro caminho possível, que vem sendo indicado pelos movimentos sociais desde o início da pandemia, é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que é utilizado para esta finalidade, mas também vem tendo seus recursos reduzidos ano após ano.
Como se já não bastasse o desmonte e esvaziamento das políticas de segurança alimentar e nutricional, corre-se o risco de desmantelamento do PNAE, um dos poucos programas que ainda se mantém de pé às custas de muita resistência da sociedade civil e de gestores públicos comprometidos com uma alimentação escolar de qualidade. Agradecemos aos deputados e deputadas que foram incansáveis na defesa do PNAE ao longo de nove longas horas de debate e votação. Não desistimos desta luta, seguiremos e ampliaremos a mobilização em defesa do PNAE, na esperança de que nossos senadores e senadoras tenham bom senso e consigam preservar a qualidade da alimentação escolar pública.