Estudantes: “A gente não quer só merenda. A gente quer alimentação escolar com qualidade”

Por meio das vozes de cinco estudantes de diferentes regiões do país, conheça as múltiplas realidades, conquistas e desafios para se garantir o direito à alimentação escolar no Brasil

1 de fevereiro de 2021 | Matérias Investigativas, Notícias

por Thais Iervolino

As vozes desses cinco estudantes, de diferentes regiões do país, mostram e reforçam a permanente luta pelo direito à alimentação escolar. Suas vivências em diferentes realidades, culturas, tempos e territórios mostram diversos Brasis em um só Brasil e terminam por apresentar anseios, análises, opiniões, depoimentos na busca e luta por algo que lhes é (ou deveria ser) de direito: uma alimentação escolar adequada. Afinal, é preciso se alimentar adequadamente para poder viver, se desenvolver e aprender. Contudo, essa afirmação ainda está distante de ser realidade.

Nesta reportagem especial, apresentamos de forma multimídia e por meio dessas vozes, estudos, leis e outras informações as experiências dos estudantes, as conquistas e os desafios em termos de políticas públicas para que o Brasil garanta o direito a uma alimentação escolar a todas e todos os estudantes, inclusive frente ao cenário de pandemia COVID-19. Boa Leitura!

PNAE: Alimentação escolar é direito de todos os estudantes e dever do Estado

Nascido em Presidente Olegário, município de cerca de 18 mil habitantes no Noroeste de Minas Gerais, Olivio José da Silva Filho estava cursando o Ensino Fundamental na Escola Estadual Padre José André Caldeira Coimbra quando foram implementadas novas diretrizes para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Olivio quando cursava o Ensino Fundamental
Foto: Arquivo Pessoal)

“A percepção do estudante sobre o Programa é bastante diferente [das análises de especialistas] porque conseguimos vivenciá-lo em nosso cotidiano. A primeira mudança que notei com o PNAE foi em relação à venda de comida na escola. Primeiro retiraram os alimentos ultraprocessados, como refrigerantes e depois a venda de alimentos como pão de queijo, que eram feitos pelas próprias merendeiras, acabou de vez. Inclusive, com mudanças mais recentes do PNAE, já não havia os vendedores de balas de porta de escolas”, conta ele.

Para garantir que todos os estudantes possam receber alimentação nas escolas ou, em casos de pandemia, nos locais onde vivem, o Brasil possui o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que, desde junho de 2009, por meio da Lei nº 11.947, estabelece que a alimentação escolar é direito de todos os estudantes da educação básica pública e dever do Estado, o qual deve garantir a segurança alimentar e nutricional dos alunos, com acesso de forma igualitária, respeitando as diferenças biológicas entre idades e condições de saúde dos alunos que necessitem de atenção específica e aqueles que se encontram em vulnerabilidade social (art. 2º, VI, e art. 3º).

“O Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE tem por objetivo contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo”

De acordo com dados do Ministério da Educação, o PNAE atende hoje cerca de 40 milhões de estudantes da educação básica pública no Brasil, com um repasse financeiro aos 27 estados e 5.570 municípios, da quantia de R$ 4 bilhões anuais. Por lei, as prefeituras e estados têm a obrigação de adquirir, no mínimo, 30% dos recursos previstos para a alimentação escolar na compra alimentos da agricultura familiar, o que representa R$ 1,2 bilhão/ano, utilizados na compra de alimentos frescos e minimamente processados, favorecendo tanto a saúde dos estudantes, quanto os circuitos curtos e locais de abastecimento.

Isso fez com que não só as crianças, adolescentes e jovens deixassem de comprar alimentos que não eram saudáveis, como também contribuiu para uma igualdade entre todos os estudantes. “Eu me lembro que quando havia compra de alimento na escola, havia também uma distinção em relação à renda muito forte, pois nem todo mundo podia comprar para comer. Poder comprar o que quiséssemos gerava um certo “status” e depois, quando todo mundo passou a comer a comida da escola, essa diferenciação entre os alunos por causa do maior/menor acesso aos alimentos da venda se extinguiu”, explica.

Contudo a maior mudança e contribuição que a nova legislação de 2009 trouxe ao PNAE foi em relação à segurança alimentar. Olivio conta que antes disso, a alimentação na escola era baseada em sucos em pó, alimentos ultraprocessados e bolachas. “Quando era dia de cachorro quente, dava briga. As professoras tinham que tomar conta para não dar confusão”, explica e continua: “Com a vinda do programa, passamos a comer fruta na escola, havia suco in natura, legumes, verduras, arroz, carne, frango, galinhada, feijão tropeiro”.

O PNAE não é um marco somente para estudantes de pequenas cidades. Nascida em Curitiba, uma das capitais brasileiras com cerca de 2 milhões de habitantes, Ana Júlia Ribeiro, estudante universitária que estudou em escolas públicas ao longo de toda sua vida, viu sua alimentação mudar quando começou a estudar em uma escola de sua cidade que comprava alimentos da agricultura familiar.

Na minha cidade existe uma só escola de Ensino Médio. Isso significa que todos ou pelo menos a maioria dos adolescentes e jovens do município passam por ela. Por isso, a ideia de garantir uma alimentação mais reforçada é fundamental, principalmente para os estudantes que moram na roça e os que estão em uma situação de vulnerabilidade social muito grande. É na escola que eles recebem a principal refeição do diaOlivio José da Silva Filho, estudante – Presidente Olegário (MG)

“Antes de ir para a escola do Estado, eu estudava em um Centro de Educação Integral e as refeições me incomodavam bastante. Como era uma escola de tempo integral, eu tinha direito a três refeições por dia, café da manhã, almoço e café da tarde, mas a escola tinha contrato da Risotolândia, que é a empresa que domina a produção de merenda em Curitiba e a comida era industrializada, vinha em caixa de plástico enorme, com muita embalagem. Quando mudei para uma escola estadual, a alimentação melhorou muito porque ela tinha parceria com a agricultura familiar, com os pequenos agricultores e por isso, tinha arroz, feijão, macarrão, abobrinha, salada, sopa, suco, barras de cereais e muita fruta. Sempre tinha comida de verdade, gostosa, feita na própria escola”, explica.

Então a refeição sendo arroz e feijão e outras misturas era muito importante para eles [alunos que viviam na roça] porque era realmente o almoço deles. Não é que eles iam chegar às 12h em casa para almoçar. Eles só chegavam em casa às 14h da tarde, então tinha também a importância que para eles era maior do que para a gente que morava perto da escolaOlivio José da Silva Filho, estudante – Presidente Olegário (MG)

Ela reforça a importância de os alimentos serem produzidos na própria escola, pelas merendeiras e não por empresas terceirizadas. “Sempre que eu penso em alimentação, vejo uma grande diferença entre a comida preparada dentro da escola, com pessoas que trabalham ali todos os dias vendo a realidade das crianças, e a comida que é trazida para a escola, mais industrializada”, conta.

Para muitos dos alunos da educação pública, é na escola que possuem a única refeição do dia, já que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), das mais de 54 milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza no Brasil hoje, 14 milhões têm menos de 14 anos. “Na minha cidade existe uma só escola de Ensino Médio. Isso significa que todos ou pelo menos a maioria dos adolescentes e jovens do município passam por ela. Por isso, a ideia de garantir uma alimentação mais reforçada é fundamental, principalmente para os estudantes que moram na roça e os que estão em uma situação de vulnerabilidade social muito grande. É na escola que eles recebem a principal refeição do dia”, explica.

Sempre que eu penso em alimentação, vejo uma grande diferença entre a comida preparada dentro da escola, com pessoas que trabalham ali todos os dias vendo a realidade das crianças, e a comida que é trazida para a escola, mais industrializadaAna Júlia Ribeiro, estudantes – Curitiba (PR)

Olivio conta que quando estudava havia colegas que saíam de casa às 4h ou 5h da manhã para estudar. “Então a refeição sendo arroz e feijão e outras misturas era muito importante para eles porque era realmente o almoço deles. Não é que eles iam chegar às 12h em casa para almoçar. Eles só chegavam em casa às 14h da tarde, então tinha também a importância que para eles era maior do que para a gente que morava perto da escola”, diz.

Segundo ele, no período das férias havia sinais de piora na alimentação dos estudantes. “Havia pessoas que nunca faltavam na aula por causa da comida e queriam que a aula voltasse mais rápido por causa da comida. Era inclusive um fator preponderante para a frequência escolar”, conta.

Linha do tempo – Marcos da Política de Alimentação Escolar

“O PNAE representa em primeiro momento a garantia do direito à alimentação adequada para crianças e jovens que estão no ambiente escolar e, em segundo, ele tem a potencialidade de melhoria da alimentação da sociedade como um todo”, explica Olivio.

Contudo, “o PNAE sozinho não dá conta da transformação da alimentação, mas é uma ferramenta junto com o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)] e o Guia Alimentar da População Brasileira, tem essa potencialidade de transformação. Esse é o desafio da escola para fora. A garantia do direito à alimentação adequada não pode ficar restrita ao ambiente escolar”, afirma Olívio.

Outro desafio que ele aponta é o debate sobre o PNAE nas escolas. “Temos que debater sobre alimentação. É preciso fazer com que o ambiente escolar seja propício para o ensino em relação a hortas, discutir por que o alimento in natura é melhor do que o ultraprocessado, colocar a importância da agricultura familiar em detrimento do agronegócio, por exemplo. Essas e outras questões devem fazer parte do processo pedagógico, de ensino e aprendizagem de crianças, jovens e adolescentes”, argumenta.

Produtor rural Vilmar de Almeida comercializa seus produtos para o PAA
Foto: Sergio Amaral

A agroecologia, agricultura familiar e o direito à alimentação escolar

São 5 horas da manhã e Caroline Silva, de 24 anos, acorda para trocar a água das galinhas, alimentá-las, cuidar dos alimentos que planta. Caroline e seu companheiro formam uma das mais de 350 famílias de agricultores que integram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Desde criança ela faz parte deste que é o mais antigo movimento popular brasileiro. “Ser do MST significa uma história de vida, já que pertenço a ele desde pequena. É uma bandeira que defendo desde pequena, que apresenta grandes desafios e tarefas a serem cumpridas”, explica.

Além de defender uma alimentação escolar de qualidade, nós também oferecemos a alimentação escolar. Quando levamos [os alimentos agroecológicos] às escolas, estamos conscientizando os professores, alunos de que esse alimento é o hoje e o futuro, que oferece uma qualidade de vida melhorCaroline Silva, estudante e integrante do MST em Sobradinho – BA

Atualmente, ela mora em Sobradinho (BA), município de pouco mais de 23 mil habitantes no norte da Bahia. Mais especificamente, Caroline vive no Assentamento Maria da Conquista. Nele, além da produção de alimentos agroecológicos cuja uma das finalidades é abastecer as escolas da região, ela também é estudante: desde 2019 estuda curso técnico de Agropecuária em um anexo do Centro Técnico de Educação Profissional (CETEP) que fica no próprio assentamento onde vive. Lá, além do curso de agropecuária, há também o de agroecologia.

Quando o ser humano está com fome, não aprende, não se desenvolve e se não se desenvolver acaba desistindo da escola, né?Caroline Silva, estudante e integrante do MST em Sobradinho – BA

Alimentação e educação fazem parte do cotidiano da Carolina. Para ela, o direito a uma alimentação escolar de qualidade tem que levar em conta os alimentos agroecológicos.

Lote de assentamento do MST da qual Caroline faz parte Foto: Arquivo Pessoal

Para ela, a alimentação agroecológica só traz benefícios. “Ela é boa tanto para quem planta, que consegue proteger o meio ambiente, e assim, cuida do nosso futuro, quanto para quem consome, que vai ter uma saúde melhor. Com menos crianças, adultos e adolescentes doentes, menos pessoas vão precisar de atendimento médico por conta de alguma doença causada pela má alimentação”.

“Além de defender uma alimentação escolar de qualidade, nós também oferecemos a alimentação escolar. Quando levamos [os alimentos agroecológicos] às escolas, estamos conscientizando os professores e os alunos de que esse alimento é o hoje e o futuro, que oferece uma qualidade de vida melhor”, afirma.

Premiado, o curta metragem aborda a experiência do MST na defesa de alimentos agroecológicos.

Alimentação escolar, diversidade cultural e as realidades brasileiras

Frango, arroz, pimentão, tomate, alho, açafrão. Esses são alguns dos ingredientes da galinhada, prato favorito de Henrique Bernardes Mendes e o primeiro que ele quer comer na escola onde estuda, o Centro de Ensino Fundamental (CEF) 08 de Planaltina, quando as aulas voltarem a ser realizadas in loco.

Não é à toa que Henrique escolheu este prato.Henrique mora em Planaltina, uma das cidades satélites do Distrito Federal, e a galinhada é um prato típico da região que compreende os Estados de Minas Gerais e Goiás.

A cerca de 2 mil km de distância de Henrique, outra estudante, Evelly Lavinha Santos Costa, gostaria de também ver seu prato favorito no refeitório de sua escola, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Joaquim Caetano Corrêa, quando as aulas voltarem a serem realizadas nos centros educativos. “Quero açaí e vatapá”, diz ela. Não é por menos, Evelly, de 15 anos, nasceu e vive em Itaituba, município situado à margem esquerda do Rio Tapajós, no oeste do Pará.

Quando não havia pandemia, eu almoçava antes de ir para a escola. Eu não comia na escola porque não tinha aquela alimentação de matar a fome. Era o que chamamos de “merenda”, era coisa simples, bolacha com sucoEvelly Lavinha Santos Costa, estudante do 9º ano do Ensino Fundamental de Itaituba (Pará)

Dois alunos que cursam o mesmo ano, o 9º ano do Ensino Fundamental, e gostam de comidas completamente diferentes, já que possuem costumes distintos. Segundo o PNAE, para além da importância da qualidade dos alimentos, a alimentação escolar também deve levar em conta a questão cultural. “Os cardápios da alimentação escolar deverão ser elaborados pelo RT [Responsável Técnico], com utilização de gêneros alimentícios básicos, de modo a respeitar as referências nutricionais, os hábitos alimentares, a cultura alimentar da localidade e pautar-se na sustentabilidade, sazonalidade e diversificação agrícola da região e na alimentação saudável e adequada”, diz o Artigo 14 da Resolução nº 26, de 17 de junho de 2013 que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE.

Porém as diferenças não se limitam apenas às questões culturais. Henrique conta que antes da pandemia, ele sempre comia na escola. “Tinha dias que havia arroz e feijão, outros que havia macarrão…”.

Já Evelly não come na escola. O motivo, segundo ela, é porque não há, de fato, uma alimentação. “Eu almoçava antes de ir para a escola. Eu não comia na escola porque não tinha aquela alimentação de matar a fome. Era o que chamamos de “merenda”, era coisa simples, bolacha com suco”, explica.

Ela conta que “o diretor da escola chegou a falar com os estudantes que a gente deixava comida estragar. Quando tinha cachorro quente ou arroz com frango, carne moída os alunos comiam, mas na maior parte das vezes era só suco com bolacha. Aí sobrava mesmo. Se tivesse vatapá e açaí, tenho certeza que a comida iria acabar logo”, diz.

Evelly na escola Foto: Arquivo Pessoal

A realidade de Evelly não está isolada. O valor per capta transferido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para cada estudante é ainda muito baixo. A Resolução CD/FNDE/ME nº 1/17 define o atual valor que deve ser repassado pela União a estados e municípios por dia letivo para cada aluno. No Ensino Fundamental, por exemplo, é de R$ 0,36, o que resulta no valor de R$ 7,20 por mês (20 dias letivos X 0,36) para cada aluno. O valor total a ser investido por aluno depende do aporte complementar feito por cada estado e município, e isso varia muito por todo o país. Além disso, nos últimos anos, houve uma queda de investimento do Ministério da Educação no programa. Estudos da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) feitos entre 2014 e 2019 mostram que os investimentos no PNAE foram reduzidos em R$ 924 milhões, ou seja, 18,9%. E entre 2018 e 2019, houve uma queda de R$ 200 milhões nas despesas do FNDE.

Distribuição de alimentação escolar durante a pandemia
Foto: Prefeitura de Resende (RJ)

Alimentação escolar na pandemia

Se no contexto prévio à pandemia, o direito à alimentação escolar não era plenamente garantido, com a chegada do COVID 19, a distribuição de alimentos encontrou desafios ainda maiores.

Em abril, após um mês de fechamento das escolas, o Governo Federal publicou a lei 13.987/2020 e a Resolução nº 2/2020, ambas garantindo a distribuição da merenda escolar para os alunos da escola em outras formas de distribuição de alimentos.

Porém, na prática, nem todos os alunos tiveram garantido o direito à alimentação. “Não recebo e não recebi os alimentos da merenda,” disse Henrique. Evelly disse que contou apenas com cesta básica nos dois primeiros meses de isolamento. “Tenho primos que estudam na mesma escola que eu e conseguimos apenas duas cestas, no início da quarentena. O governo achou que a pandemia iria durar só 15 dias”, ironiza ela.

Além da falta de alimentos, Olívio chama a atenção para outra questão, a qualidade desses alimentos que são distribuídos ou comprados por meio de cartão vale alimentação escolar.

“Vemos um aumento quase que constante dos preços de alimentos in natura ou minimamente processados e um aumento muito menor e até de queda de alimentos ultraprocessados e se não tivermos uma política que garanta que as pessoas tenham acesso a esses alimentos in natura há um reforço no aumento de consumo dos alimentos ultraprocessados. Pelo preço e pela perda de renda, as pessoas vão consumir cada vez mais alimentos ultraprocessados”, afirma.

De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), os preços do conjunto de alimentos básicos necessários para as refeições de uma pessoa adulta conforme Decreto-lei 399/1938, aumentaram em todas as capitais em 2020. A maior alta foi registrada em Salvador (32,9%) e a mais baixa em (17,8%). O valor do óleo de soja apresentou alta em todas as capitais, com destaque para Campo Grande (31,85%), Aracaju (26,47%), Rio de Janeiro (22,39%) e Porto Alegre (21,15%) e o preço médio do arroz agulhinha aumentou em 15 capitais, com destaque para Porto Alegre (17,91%), Campo Grande (13,61%) e Goiânia (10,56%).

Um levantamento publicado em novembro de 2020 pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e a Articulação do Semiárido (ASA) que ouviu 168 grupos produtivos de agricultores familiares e pescadores artesanais fornecedores de alimentos para o PNAE complementa com a análise de Olívio. A pesquisa constatou mudanças no fornecimento ao Programa durante a pandemia. “Houve uma drástica redução das compras de alimentos pela agricultura familiar, apesar da autorização feita pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE/MEC) para que os recursos do programa fossem utilizados para a distribuição de cestas de alimentos aos escolares.

Em 2019, aproximadamente 4,5 mil produtores de alimentos, organizados em 168 grupos produtivos, tiveram um rendimento de aproximadamente R$ 27 milhões. Até setembro deste ano, os mesmos coletivos venderam o equivalente a apenas R$ 3,6 milhões o que, em grande medida, corresponde a vendas feitas antes das medidas de isolamento social. O levantamento mostra que os 30% de recursos da Alimentação Escolar não estão sendo devidamente utilizados, enquanto famílias passam fome e carecem de uma alimentação saudável.

Segundo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em seu Guia COVID-19 – Alimentação escolar, publicado em maio do ano passado, “a interrupção abrupta da alimentação escolar, num período como o da atual pandemia, coloca milhões de crianças e jovens em situação de insegurança alimentar, além de impactar os circuitos populares de abastecimento, importantes para a superação da pobreza no campo e a sobrevivência de assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas”.

De acordo com o Guia, “por conta desta relevância social e econômica da alimentação escolar que, dentre as muitas questões enfrentadas pelas secretarias de educação estaduais e municipais durante a atual pandemia, uma das mais importantes é como preservar o direito à alimentação dos alunos das rede pública de ensino, principalmente aqueles em situação de vulnerabilidade social, bem como a renda e a produção de milhares de agricultores familiares enquanto perdurar a suspensão das aulas presenciais”.

Estudantes protestam pelo direito à alimentação escolar em 2016
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A luta pela garantia do direito à alimentação escolar

Ao ser questionada sobre o papel dos estudantes na luta pela garantia do direito à alimentação escolar, Ana Júlia foi enfática: “No mundo ideal, nada. No mundo ideal esse direito deveria estar garantido. É muito triste colocar essa luta nas mãos dos estudantes que deveriam estar preocupados em apenas aprender. Mas como o mundo não é perfeito, os estudantes têm tido uma participação muito importante nas denúncias sobre a má qualidade das merendas, como o exemplo dos desvios das merendas escolares em 2015”.

A falta de merenda ou a baixa de qualidade dos alimentos oferecidos aos alunos na escola foi uma das pautas de ocupações de escolas em vários estados do país em 2016 e Ana Júlia, que estudava no Ensino Médio na época, foi uma das estudantes que participou do movimento Ocupas. “As pautas estavam concentradas na Medida Provisória 746 que tratava da Reforma do Ensino Médio e a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 241 que virou a Emenda Constitucional 95, que trata do Teto de Gastos. Mas as ocupações tinham uma característica de ser muito singular em cada escola e em várias escolas a merenda era uma das pautas principais”, explica.

No mesmo ano, os secundaristas de São Paulo também tiveram a alimentação escolar como uma das pautas de suas lutas estudantis. Segundo a reportagem do Centro de Referências em Educação Integral, na época, a principal reivindicação nas Escolas Técnicas Estaduais (ETECs) foi a falta de alimentação adequada. “Enquanto o desvio da verba das merendas pela máfia montada pelo governo criou uma situação calamitosa nas Escolas Estaduais, nas ETECs o problema é ainda mais grave. Aqui a gente nunca recebeu comida, mesmo estudando em período integral com médio e técnico”, protestavam na época, em panfleto, os estudantes ocupados. Segundo o governo, 10% das ETECs ainda não tinham alimentação garantida.

Os estudantes de São Paulo criaram, inclusive, a página “Diário da Merenda” para registrar a alimentação escolar que recebiam nas escolas públicas.

Vídeo – Manifestação dos Estudantes sobre a merenda em São Paulo

Para além das denúncias e da cobrança do Estado para que não falte alimentação de qualidade nas escolas, Caroline acredita que, como estudante e representante do MST, seu papel é também contribuir com ideias, dialogar com as secretarias. “É preciso ver o que está bom e o que não está, dialogar com estudantes e a escola para que a alimentação escolar melhore ainda mais”.

Alimentação escolar: Levante sua VOZ

A importância do PNAE, a luta por uma alimentação adequada nas escolas, o financiamento insuficiente, a importância da agroecologia e dos pequenos agricultores para a garantia do direito à alimentação escolar foram alguns dos elementos levantados por esses cinco adolescentes e jovens.

Ao longo de 2021 o ÓAÊ pretende ampliar ainda mais essa escuta e amplificar a voz não só dos estudantes, como também das agricultoras e agricultores familiares, conselheiras e conselheiros de alimentação escolar.

Em breve estarão no ar campanhas e questionários on-line. Fica ligado/a!!!

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