Uma pesquisa feita pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) revela que, durante a pandemia, estados e municípios não usaram adequadamente o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Segundo os dados, 23% dos estudantes ouvidos não receberam nenhum tipo de assistência alimentar do PNAE, entre abril de 2020 e julho de 2021. Apenas 14% receberam cestas de alimentos ou cartões alimentação todos os meses e 21% receberam assistência alimentar de suas escolas apenas uma única vez.
O levantamento foi feito com 900 estudantes da rede básica pública de ensino em 215 municípios espalhados pelos 26 estados brasileiros e Distrito Federal.
Houve também perda na qualidade da alimentação se comparado ao que era servido nas escolas. Os alimentos mais presentes nas cestas foram: arroz (92%), macarrão (86%), feijão (81%), açúcar (66%) e óleo (54%). Apenas 23% dos estudantes receberam carnes em suas cestas, 29% legumes e verduras, e 19% frutas.
Agricultores, agricultoras, povos indígenas, quilombolas, assentados e assentadas da reforma agrária também foram afetados. Levantamento feito pelo ÓAÊ com 407 agricultores, agricultoras, suas cooperativas e grupos informais, entre setembro e outubro, mostra que 19% deles voltaram a fornecer alimentos ao PNAE apenas em 2021, 11% relataram que ainda não voltaram a vender para o Programa e os demais forneceram alimentos pelo menos uma vez entre 2020 e 2021. A maior parte dos alimentos adquiridos (72%) foram hortaliças e frutas frescas. A interrupção ou a significativa redução das compras e descumprimento de contratos gerou perdas e desperdício de alimentos, em um contexto de aumento da pobreza e fome no campo.
Ao mesmo tempo, os relatos obtidos na pesquisa mostram que soluções conjuntas podem ser encontradas quando o diálogo entre governos e produtores se estabelece. Dessa forma, milhares de toneladas de alimentos saudáveis e não processados foram comprados e distribuídos.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) existe há 40 anos e é a política mais consolidada de Segurança Alimentar e Nutricional do país, chegando a todos os 5.570 municípios. O programa prevê atendimento universal, ou seja, os mais de 40 milhões de estudantes da rede básica de ensino têm direito à alimentação escolar.
Em 8 de abril de 2020, foi aprovada a lei 13.987 que autorizou, “em caráter excepcional, durante o período de suspensão das aulas”, a distribuição de cestas de alimentos adquiridos com os recursos dos PNAE aos pais e responsáveis dos estudantes da educação básica da rede pública. No entanto, estados e municípios não fizeram seu devido uso.
“O PNAE era um importante instrumento de enfrentamento da crise, mas poucos governadores e prefeitos fizeram o uso adequado dele, o que mostra a falta de compromisso de nossos governantes com o combate à fome”, afirma Mariana Santarelli, pesquisadora e coordenadora de projetos do ÓAÊ.
Um dos motivos para o não recebimento dos alimentos foi a escolha de autoridades em focar o atendimento em estudantes com famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais ou beneficiárias do Bolsa Família. “Isso caracteriza violação do caráter universal do PNAE”, afirma Gabriele Carvalho, doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e assessora do ÓAÊ.
Os dados das pesquisas estão no Anuário 2021 do Observatório da Alimentação Escolar – O Programa Nacional de Alimentação Escolar em tempos de Pandemia, que será lançado no dia 7 de dezembro, às 16h, em um evento online no canal do Youtube do ÓAÊ.
O anuário reúne artigos e entrevistas sobre os debates em torno do PNAE e alimentação adequada e saudável. “Desde o início da pandemia, o ÓAÊ monitorou o acesso de estudantes, agricultores e agricultoras familiares ao PNAE porque entendia que o programa era estratégico para o enfrentamento da fome”, explica Mariana Santarelli.
O anuário é dividido em três partes. A primeira é dedicada a um balanço com foco na pandemia e no dilema da volta às aulas. A segunda contém entrevistas e um artigo que mostram como o PNAE acompanhou o conceito de alimentação adequada e saudável, incorporou a perspectiva de fortalecimento da agricultura familiar e agroecológica. E a terceira parte trata das ameaças ao desenho, sustentabilidade e transparência do PNAE, trazendo uma proposta de aumento do orçamento do programa, que não vem sendo devidamente reajustado desde 2010.