Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)
Fiscalizar e assessorar o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma atividade voluntária exercida em todos os estados e municípios por mães e pais de alunos, professores e integrantes de organizações não governamentais (dentre outros). Mas falta apoio do poder público para o exercício pleno da função de conselheira/o nessa área. 22% dos conselheiros ouvidos por um estudo realizado pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) estão insatisfeitos com as condições de transparência e acesso à informações, e 42,8% com as condições ou a falta de capacitação.
O dado mais alarmante deste estudo revela que 1 em cada 4 entrevistados (24%) conhecem algum conselheiro que já foi ameaçado ou sofreu assédio moral por parte de autoridades públicas no exercício de suas atividades de controle social, ou preferem não responder a esta pergunta. E 12% relatam não possuir liberdade para uma atuação crítica e propositiva.
Esses dados fazem parte da Pesquisa Conta Pra Gente Conselheira(o), realizada com o objetivo de compreender as condições de transparência, monitoramento e controle social do PNAE, por meio da percepção de membros de Conselhos de Alimentação Escolar (CAEs), e também de Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional (Conseas) e Conselhos de Educação, atuantes em todo o território nacional.
O perfil predominante dos/as 513 conselheiros/as que responderam à pesquisa é de mulheres (72%); pessoas que se identificam como negras, ou seja, pretas ou pardas (55%); trabalhadores da educação e discentes (33%); e com idade entre 45 e 54 anos (30%). Metade dos respondentes atuam no conselho do qual fazem parte há menos de dois anos.
Apesar da comunicação aos órgãos de controle sobre irregularidades na execução do PNAE ser uma das atribuições dos conselheiros, 30% afirmaram que não sabem como fazer denúncias.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) possui um sistema que fornece informações financeiras e para o controle social, porém 46% dos entrevistados não acessam os sistemas de informação online, 37,9% consideram o acesso difícil e 33% não conhecem a plataforma.
Mariana Santarelli, coordenadora do Observatório da Alimentação Escolar, explica que “a falta de informação é resultado da inexistência de um processo continuado de formação”. O estudo mostra que 95% dos entrevistados gostariam de participar de cursos de formação (on-line) voltados para o controle social do PNAE.
Falta vontade política para o cumprimento das diretrizes do PNAE
Há uma ampla concordância dos conselheiros com a restrição de ultraprocessados nas escolas: 90% concordam totalmente ou parcialmente com ela. A falta de vontade política por parte das autoridades públicas é considerada por 42% dos conselheiros como uma das principais dificuldades enfrentadas para a restringir a oferta desses produtos alimentícios, e, de acordo com 33,6%, para o cumprimento da obrigatoriedade de utilização de 30% dos recursos repassados pelo FNDE na compra de alimentos diretamente da agricultura familiar.
Essas são duas das principais diretrizes do programa, que fazem dele uma referência internacional de política voltada para a promoção da alimentação adequada e saudável e o desenvolvimento local sustentável.
Maurício Klemann é agrônomo de formação, vive em São Paulo (SP), e atua no Conselho de Alimentação Escolar fazendo a ponte entre as entidades executoras e cooperativas, entidades e organizações da agricultura familiar. Para ele, existem bons exemplos no país de como melhorar a aquisição de alimentos da agricultura familiar a partir do fortalecimento das cooperativas da agricultura familiar.
“Eu trabalho neste setor e percebo que tem municípios que gastam 100% dos recursos que vem do PNAE, tudo em alimentação escolar [da agricultura familiar]. Então são exemplos muito promissores e eles conseguem esse feito graças a organização dos agricultores em cooperativas, que têm um produto estocável, que tem um prazo de validade maior, que o município consegue fazer uma gestão logística melhorada para conseguir superar os desafios”, relata.
Outras dificuldades apontadas na pesquisa são a ausência de ações que promovem uma alimentação saudável (42%), a baixa aceitação do cardápio pelos alunos (28%), a resistência da comunidade escolar (27%) e recursos financeiros insuficientes para a compra de alimentos (25%).
No caso da compra direta de alimentos da agricultura familiar, estão entre as principais barreiras a insuficiência de assistência técnica e extensão rural (32%), as dificuldades no acesso ao Cadastro da Agricultura Familiar (29%) e alegações de gestores sobre a inviabilidade do fornecimento regular de alimentos pelos agricultores familiares (28%).
Foram apontados como principais problemas na alimentação escolar nos estados e municípios: a existência de inadequadas infraestruturas e cozinhas escolares (36%), número insuficiente de nutricionistas (36%), baixa participação da sociedade civil nos conselhos (33%), número insuficiente de cozinheiras (31%) e baixo investimento financeiro por parte do estado/município (30%).
Michele dos Santos é presidente do Conselho Estadual de Alimentação Escolar da Bahia, e relata a falta de nutricionista para a elaboração da alimentação escolar. “Existe quantitativo aquém do que é necessário e isso dificulta todo um olhar para a saúde, para a alimentação saudável adequada, o cumprimento do direito humano à alimentação adequada”, diz.
Segundo ela, o estado da Bahia está gradativamente aumentando o número de nutricionistas contratados, mas esse processo só teve início após 2018 a partir de uma ação conjunta com os Ministérios Públicos Estadual e Federal e o Conselho Regional de Nutricionistas para cobrar o executivo.
A Pesquisa Conta Pra Gente Conselheira(o)
A Pesquisa Conta Pra Gente Conselheira(o) foi realizada de forma online pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), entre os dias 18 de abril e 04 junho de 2023, alcançando um total de 513 respostas de conselheiras e conselheiros representantes de diversas organizações da sociedade civil, de conselhos municipais e estaduais das cinco regiões do país e das 27 unidades federativas do Brasil.
Entre os participantes da pesquisa estão integrantes de Conselhos de Alimentação Escolar (75,6%), Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional (23%) e Conselhos de Educação (12,6%), além de outros conselhos (0,58%).
Os resultados da pesquisa estão disponíveis na publicação “Levanta Dados: Conselheiras(os) – Participação e controle social no Programa Nacional de Alimentação Escolar”.
O Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)
O Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) foi fundado em 2021 como resultado de uma ação conjunta entre organizações da sociedade civil e movimentos sociais para monitorar e mobilizar a sociedade sobre a importância do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O ÓAÊ é construído por diversas organizações da sociedade civil e movimentos sociais que compõem seu comitê consultivo, além do FBSSAN e da FIAN Brasil, que constituem seu núcleo executivo. Seu objetivo é ampliar a escuta e o diálogo com estudantes e suas famílias, agricultoras e agricultores familiares, bem como profissionais da educação, comunidade escolar e membros de conselhos que atuam com a alimentação escolar, para incidir de forma coletiva na defesa e no fortalecimento deste programa.