Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar
“A cooperativa tem que estar junto na defesa dos produtores”. Assim, Adriana Ribeiro, atual diretora presidente da Cooperativa dos Produtores da Agricultura Familiar Solidária (Coopaf), em Muriaé (MG), explica o papel da cooperativa localizada na Zona da Mata mineira. A Coopaf aumentou as vendas para o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) de R$ 829 mil, em 2015, para R$ 3,317 milhões, em 2021, um aumento de 300% em plena pandemia.
O mês de julho é marcado como o mês do cooperativismo, isso porque desde 1923 cooperativas de todo o mundo celebram o primeiro sábado de julho como o Dia do Cooperativismo. A data foi oficialmente estabelecida pela ONU em 1994. No Brasil, o cooperativismo é uma alternativa para a agricultura familiar contribuindo para o acesso de uma parcela significativa de agricultores aos mercados institucionais. E a Coopaf é um grande exemplo de êxito neste processo.
Fundada em 2010, a Coopaf é resultado de, ao menos, três décadas de articulação e organização de agricultoras e agricultores da região. Esse processo começou com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), passando pela criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Muriaé, depois uma associação e, por fim, a fundação da cooperativa.
Até 2022 a cooperativa ainda funcionava no prédio do sindicato parceiro, mas a produção vinda das 141 famílias cooperadas precisava de mais espaço. Então, em outubro daquele ano a Coopaf se mudou para um galpão, onde estão hoje suas salas de escritório, toda a estrutura para o recebimento, armazenamento e distribuição dos alimentos vendidos – o que inclui três câmaras frias -, além da inauguração de uma loja agropecuária, aberta para o público em geral, mas com benefícios para os cooperados. O espaço também recebe as reuniões, formações e assembleias da Coopaf. A necessidade de mudança para o galpão e expansão da estrutura é parte dos desdobramentos do crescimento da receita da cooperativa ao longo dos anos.
A cooperativa vende alimentos para o PNAE desde sua criação, além das feiras agroecológicas e compradores locais, porém a partir de 2015 as vendas para a alimentação escolar passaram a ser o principal destino dessa produção, não somente em Muriaé, mas em 16 municípios da região. Boa parte da produção já é agroecológica e a meta é avançar nessa transição. A presidenta, Adriana, detalha como é esse processo.
“Então, nós da COOPAF, desde a constituição, a gente vem trabalhando a execução do PNAE. Tem a sede em Muriaé, mas atendemos a região e a gente fornece alimentos diversos, hortifrutigranjeiros, leite e derivados, frutas, panificados. A gente atende escolas municipais e estaduais para levar, de fato, essa alimentação de qualidade para os alunos, garantindo a segurança alimentar, mas também fomentando e promovendo a geração de renda dos agricultores, que são os cooperados da nossa cooperativa”, conta.
Crescimento das vendas na pandemia
O crescimento das vendas da cooperativa para o PNAE durante a pandemia é explicado pela venda de kits de alimentos destinados aos estudantes de famílias de baixa renda, substituindo a alimentação fornecida nas escolas – naquele momento sem aulas presenciais. Porém esse processo foi gradual e exigiu bastante persistência, como relata Adenilson Pereira, gerente administrativo da Coopaf.
“A gente, primeiro teve o susto [com a pandemia], e depois começou a pensar no que fazer. Então vimos notícias sobre entregas de kits [da alimentação escolar], depois disso já começamos a ir atrás [dos governos locais], cobrar e procurar editais”, lembra.
As entregas de cestas de alimentos para estudantes das escolas de Muriaé começaram em maio de 2020 e em agosto a cooperativa iniciou a entrega para escolas estaduais, no mesmo período iniciaram entregas em outros municípios da região. O processo de montagem dos kits aconteceu na cooperativa e exigiu muito trabalho coletivo, no auge das vendas eram milhares montadas por dia.
Porém, Pereira aponta que o caso da cooperativa é uma exceção e mesmo possuindo compradores – graças ao PNAE – a cooperativa enfrentou um desequilíbrio interno, pois os kits não contemplavam toda a variedade de alimentos produzidos pelos cooperados. “Nosso caso foi uma realidade diferente, muitos outros parceiros sofreram muito. Deixavam de produzir porque não tinham para quem vender. Para nós, foi muito bom financeiramente, mas socialmente foi péssimo, pois muitos produtores ficaram sem produzir”, descreve.
Ele aponta que o salto da receita da cooperativa, de R$ 1,6 milhões em 2020, para R$ 3,3 milhões em 2021, se deve também ao receio dos gestores públicos sobre a possibilidade do governo federal recolher dos estados e municípios os recursos do PNAE não utilizados entre 2020 e 2021. “Foi uma correria das prefeituras para não perder o dinheiro que estava parado”. Em 2022 a cooperativa conseguiu obter uma receita de R$ 3,352 milhões, passado o contexto de pandemia.
Dados do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), apresentados em julho de 2022, apontaram aproximadamente R$ 1,7 bilhões parados na conta de estados e municípios brasileiros naquele período, sem sua destinação para a alimentação escolar. Na época, o recolhimento desses recursos pelo governo federal não aconteceu.
Desafios nas vendas para o PNAE
A Coopaf cresceu durante a pandemia com vendas para municípios de toda a região – algo que já fazia anteriormente -, mas Adenilson explica que as chamadas públicas priorizam os produtores locais, para depois comprar a produção de outros municípios.
“A prioridade é do produtor local e também das cooperativas e associações. Se não tiver disponível [o alimento demandado] no local, a gente vai lá. A gente tá sempre participando [das chamadas públicas], se a proposta não compensar, podemos desistir da venda antes de fechar o contrato. Então vai para o próximo da fila”.
Mas a venda recorrente para as compras públicas exige o monitoramento desses editais, pois nem sempre as gestões públicas criam condições que assegurem essa participação. “A gente está sempre cobrando pelos editais públicos, ligando pra pedir para estar nos sites [das prefeituras]. Encontramos edital que foi publicado em um dia, com prazo no outro”, relata o gerente da cooperativa.
E a garantia da qualidade dos alimentos é sempre assegurada, “em caso de problema com o alimento, a gente repõe. A escola nunca perde”, conta.
Apesar dos recursos para o PNAE estarem previamente estabelecidos dentro do orçamento federal, com o repasse mensal automático para os estados e municípios, o representante da Coopaf relata atrasos nos pagamentos por algumas gestões públicas. Mesmo assim, a cooperativa garante a renda aos produtores.
“A gente lida com os atrasos [no pagamento], mas teve uma prefeitura que deixou prejuízo de R$ 20 mil. Está na Justiça. Mas os produtores receberam no dia certo. Todo dia 15 eles são pagos pela produção. Por isso é importante ter capital de giro”, explica.
União para crescer
Após atingir a receita recorde, a cooperativa cogitou se era o momento de realizar a distribuição do lucro líquido entre os cooperados. No entanto, em assembleia, foi decidido investir todo o valor na cooperativa, com o aluguel e reforma do galpão, a criação da loja agropecuária e a aquisição de outras infraestruturas, como as duas novas câmaras frias.
Hoje, as famílias cooperadas se orgulham da decisão. É o que conta Rodrigo Amaral Novaes, cooperado da Coopaf, que atualmente produz verduras, folhas e beterraba para a alimentação escolar. “Foi bem melhor ter expandido a cooperativa. Ter pego esse dinheiro e investido”.
O produtor defende que o fortalecimento da cooperativa contribui para sua permanência no campo como agricultor familiar. “Muito produtor hoje produz e não tem onde vender. Eu produzo e tenho onde vender. Tenho 28 anos, da minha idade quase não tem jovem na roça”, destaca.
Mais mulheres e agroecologia
Com toda essa trajetória a Coopaf pretende avançar ainda mais. Adriana é a primeira mulher a ser presidente da cooperativa e consigo traz a necessidade e importância de se abrirem mais espaços para mais mulheres na cooperativa, junto ao aumento da produção agroecológica. “Temos o desafio de avançar na transição agroecológica e na participação e protagonismo das mulheres”. Apesar de muitas mulheres construírem a cooperativa, através de sua produção e de suas famílias, ainda são poucas juridicamente vinculadas à cooperativa – papel assumido hegemonicamente pelos homens. Hoje, as 141 famílias cooperadas são representadas por 131 homens e 28 mulheres.
Adriana defende que essa participação feminina é necessária para a autonomia das mesmas. “Fico muito feliz quando ouço que uma produtora vai tirar a CNH com dinheiro do PNAE, comprar um tratorio com dinheiro do PNAE, fazer escova com dinheiro do PNAE. A cooperativa é muito maior que a economia, sendo que a economia é muito importante na autonomia das mulheres”. E conclui, “o trabalho é coletivo e eu sinto muito orgulho de fazer parte disso”.
*Matéria produzida a partir da visita de campo à Coopaf durante o Seminário “O Programa Nacional de Alimentação Escolar: Olhares a partir da Agricultura Familiar e Agroecologia no Brasil”, realizado em Viçosa (MG), em abril de 2023.