Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)
Os municípios brasileiros tiveram redução nos gastos dos recursos federais do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) com a compra de alimentos processados e ultraprocessados entre 2015 e 2019. Na média brasileira, essas categorias representam 24,3% dos gastos feitos pelos municípios com recursos do PNAE em 2019 – redução de 10,5% em comparação com 2015 (27,2%).
Porém, esses avanços são desiguais entre as regiões do país. Os gastos com ultraprocessados, prejudiciais à saúde, são proporcionalmente maiores nas regiões Sul, Norte e Centro-Oeste.
Estes dados fazem parte de um estudo inédito apresentado no policy brief “Os municípios brasileiros estão prontos para cumprir com as metas de redução de compra de alimentos processados e ultraprocessados para a alimentação escolar?”. A pesquisa foi realizada pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) e publicada em parceria com o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), a partir dos dados do Sistema de Gestão de Prestação de Contas ligado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
O estudo constata que, em 2019, 40% dos municípios brasileiros utilizaram menos de 20% dos recursos do PNAE para a compra de processados e ultraprocessados, mostrando que é possível a oferta de uma alimentação mais saudável e adequada nas escolas. Essas municipalidades já se encontravam preparadas para o atendimento da Resolução n° 06/2020 do FNDE. A resolução, que vale desde 2021, limita a 20% os gastos com processados e ultraprocessados dos recursos repassados pelo FNDE aos estados e municípios para compra de alimentos para o PNAE, alinhando assim o programa às diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira.
Os alimentos in natura e minimamente processados – como arroz, legumes, frutas e carnes – são os mais saudáveis. Os processados incluem pães, geleias de frutas e queijos que passaram por um processo tradicional de processamento sem aditivos com função cosmética, como corantes, emulsificantes e aromatizantes. E os ultraprocessados são formulações industriais com pouca ou nenhuma característica do alimento original, com alto teor de açúcar, sódio, substâncias industriais e ausência de nutrientes, a exemplo de macarrão instantâneo, biscoitos, preparações prontas para pães e bolos, refrescos em pó, bebidas com adoçantes, refrigerantes e salgadinhos de pacote.
Entre os itens que mais consumiram recursos do PNAE no país em 2019 estão: carne bovina (14%) e de frango (7,9%), leite em pó (6,1%), banana (4,4%) e biscoito (4,3%), este último sendo o ultraprocessado com maior participação nos gastos.
“Nossos resultados demonstram que não só a restrição de processados e ultraprocessados no PNAE é factível, mas que 40% dos municípios brasileiros já estavam prontos para atender a Resolução n° 06 em 2019”, comenta a autora do estudo Ana Clara Duran, pesquisadora doutora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA) da UNICAMP e pesquisadora associada do NUPENS-USP.
“Esperamos encontrar uma proporção ainda maior de municípios que estejam usando, no máximo, até 20% dos seus repasses federais para o PNAE com processados e ultraprocessados em 2021 e 2022. E que nossos dados encorajem ainda mais as gestões locais do PNAE a encontrar formas para melhor atender a resolução, e, portanto, prover uma alimentação ainda mais saudável e adequada aos/às estudantes brasileiros e brasileiras”, defende a pesquisadora.
Esta é a primeira publicação de uma série de policy briefs desenvolvidos pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) em parceria com universidades, centros de pesquisa, organizações não governamentais e pesquisadoras/es.
“O que pretendemos, com a divulgação de estudos robustos como este, é mostrar que, quando há vontade política por parte dos governantes, é possível melhorar a qualidade das bebidas e dos alimentos que são oferecidos aos nossos filhos e filhas no ambiente escolar, e garantir que as escolas públicas sejam espaços de formação de hábitos alimentares saudáveis”, explica Mariana Santarelli, coordenadora do ÓAÊ.
Com o que mais se gasta na alimentação escolar?
Olhando os gastos dos municípios brasileiros com os repasses federais do PNAE por região entre 2015 e 2019, a carne bovina ocupa o primeiro lugar em todo o Brasil. A única exceção é o Nordeste no ano de 2017, quando o item ocupou o segundo lugar.
O frango e o leite de vaca fluido alternaram as outras duas posições do pódio em 2015 e 2017. Em 2019 ocorreu uma ampla substituição do leite fluido por leite em pó entre os alimentos mais adquiridos no Norte, Nordeste e Sudeste.
Outros itens, como polpa de frutas, biscoitos, bananas, pão e arroz compuseram o restante do ranking. A maioria se enquadra na categoria de alimentos in natura ou minimamente processados. Biscoito e suco de frutas ultraprocessados são os produtos com maiores gastos pelos municípios brasileiros na categoria que a resolução busca restringir.
Os sucos considerados ultraprocessados são sucos de frutas não especificados, sucos de frutas industrializados engarrafados, encartonados ou em caixa, sucos à base de soja e refrescos em pó.
O custo unitário de proteína animal é mais elevado do que o da maioria dos demais alimentos, o que justifica sua presença entre os principais responsáveis pelos gastos dos municípios com a alimentação escolar. A análise é sobre o valor total gasto com esses itens, não sobre o percentual de participação desses alimentos nas refeições servidas.
Como é a composição da alimentação escolar nas regiões do Brasil?
De todas as regiões brasileiras, a região Sudeste possui a maior porcentagem de municípios que gastam menos de 20% dos recursos federais com processados e ultraprocessados – em 2019 foram 62% dos municípios.
Na sequência, estão as regiões Centro-Oeste (48,6%), Norte (35,8%), Sul (30,3%) e Nordeste (22,5%). Com exceção da região Sul, todas tiveram queda contínua na proporção dos gastos com processados e ultraprocessados entre 2015 e 2019.
Comer Bem na Escola
Estudos científicos comprovam que os ambientes frequentados por crianças e adolescentes possuem grande influência sobre seus hábitos alimentares. Isso inclui o ambiente escolar, onde praticamente todos os estudantes brasileiros passam ao menos a metade do dia. A partir dessa compreensão, organizações integrantes do ÓAÊ lançaram a campanha “Comer bem na escola: essa é uma lição pra vida toda”, com o objetivo de conscientizar sobre a importância do compromisso de famílias e educadores com a alimentação saudável no ambiente escolar.
A campanha apresenta informações sobre a importância de políticas públicas que promovam a alimentação saudável nas escolas, convocando famílias e instituições a incentivar e favorecer o consumo de alimentos e bebidas in natura ou minimamente processados. A ideia é também combater o consumo de alimentos e bebidas ultraprocessados, que aumentam o risco do desenvolvimento de problemas de saúde como diferentes tipos de câncer, cáries, hipertensão e diabetes.
O Observatório da Alimentação Escolar
O Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) foi fundado em 2021 como resultado de uma ação conjunta entre organizações da sociedade civil e movimentos sociais para monitorar e mobilizar a sociedade sobre a importância do PNAE. O ÓAÊ é construído por diversas organizações que compõem seu comitê consultivo, além do FBSSAN e da FIAN Brasil, que constituem seu núcleo executivo. Seu objetivo é ampliar a escuta e o diálogo com estudantes e suas famílias, agricultoras e agricultores familiares, além de profissionais da educação, comunidade escolar e membros de conselhos que atuam na alimentação escolar, para incidir de forma coletiva na defesa e no fortalecimento desse programa.
Lançamento da publicação
O lançamento do policy brief “Os municípios brasileiros estão prontos para cumprir com as metas de redução de compra de alimentos processados e ultraprocessados para a alimentação escolar?” acontece de forma on-line nesta segunda-feira, dia 9 de outubro, a partir das 14 horas. O evento será transmitido ao vivo pelo canal do Observatório da Alimentação Escolar no YouTube (@observatorioalimentacaoescolar):
bit.ly/transmissaopolicybriefsOAENupens