Por Paula Vianna
Da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Nesta quarta-feira (22) aconteceu o lançamento da publicação “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade”, durante o 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia (XII CBA). A publicação apresenta as conclusões da pesquisa homônima e é a fase final da pesquisa-ação iniciada em 2019, no marco dos 10 anos da Lei 11.947/2009 – a Lei do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Uma das principais conclusões apresentadas é a relação de fortalecimento entre o acesso continuado ao PNAE, sem interrupções, e a organização da agricultura familiar, ampliando a capacidade de oferta, a diversificação produtiva e o acesso a outros mercados, como feiras. O acesso ao longo dos 10 anos de implementação da lei do PNAE possibilitou a estruturação das experiências, de rotas de comercialização, de criação de agroindústrias, da aquisição de equipamentos e maquinários, formação e formalização de grupos compostos por mulheres.
A pesquisa foi desenvolvida pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) com o objetivo de entender os desafios, avanços e inovações na implementação do PNAE, sob a perspectiva das organizações da agricultura familiar.
Foram identificadas experiências em nove cidades de noves estados: Morros (MA), São João das Missões (MG), Paraty (RJ), Ubatuba (SP), Remanso (BA), Belo Horizonte (MG), São José do Egito (PE), Cuiabá (MT) e São João do Triunfo (PR).
O PNAE é considerado uma das políticas públicas mais bem-sucedidas no combate à fome ao prever que ao menos 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos estados e municípios sejam utilizados para aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar, explica Vanessa Schotz, integrante da coordenação da pesquisa, do FBSSAN e do GT Mulheres da ANA.
“É uma potente estratégia de promoção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) que, por outro lado, também amplia o acesso a alimentos produzidos localmente e possibilita o acesso a alimentos in natura e culturalmente referenciados, ampliando oportunidades para a viabilização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)”, detalha Schotz.
O seminário “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade”, como parte da programação do XII CBA, teve como objetivo proporcionar o diálogo com o Comitê Gestor do PNAE sobre a inclusão de alimentos agroecológicos e da agricultura familiar no Programa a partir dos resultados da pesquisa.
Segundo Juliana Casemiro, integrante do FBSSAN e Professora Adjunta no Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (INU/UERJ), a pesquisa mostrou a necessidade de criar, valorizar e institucionalizar espaços de participação e diálogo que aproximem a gestão do programa com as organizações agroecológicas e da agricultura familiar, além de potencialmente inspirar e engajar outras organizações e redes para refletirem possibilidades, desafios e estratégias relacionadas à inclusão de alimentos com esta origem no PNAE, com a ampliação do acesso das mulheres.
“Outro elemento importante para fortalecer as ações da sociedade civil é a possibilidade de criação de legislação local a partir dessas necessidades locais, mas em conformidade com sua legislação nacional. Vale muito a pena um investimento do FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] para fortalecer essas estratégias, tanto do ponto de vista da participação, quanto da formação de atores locais”, afirma Casemiro.
Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade
A análise das experiências de aquisição de alimentos agroecológicos e da agricultura familiar na alimentação escolar traz informações sobre temas como manejo de agroecossistemas, economia solidária, cooperativismo, educação e construção do conhecimento e protagonismo das mulheres.
Em cada uma das cidades, foram observadas mudanças significativas, como por exemplo: em São João das Missões, no semiárido mineiro, uma aldeia indígena substituiu os refrigerantes por polpas de sucos de frutas nativas, em São João do Triunfo, no Paraná, a diversidade de alimentos se destacou, com a inclusão no cardápio escolar de 67 gêneros alimentícios orgânicos oriundos da agricultura familiar, totalizando cerca de 50 toneladas.
No Mato Grosso, no Município de Pontes e Lacerda, uma associação para o abastecimento de escolas com produtos como frutas, farinha de mandioca, pães e biscoitos enriquecidos com farinha de babaçu, pequi e cumbaru, teve um aumento de cerca de 40% na renda da associação e abriu um novo mercado, como a entrega de cestas para consumidores solidários em Cuiabá, aproveitando os meios de transporte usados para a entrega dos alimentos nas escolas.
Em Remanso, na Bahia, um grupo de mulheres pescadoras artesanais introduziu na merenda escolar espécies de peixes como pescada, tilápia, tucunaré e cari, ofertados como filé, mas também sob outras formas, com prazo maior de validade, como conserva (peixe cozido em molho de tomate), linguiça, almôndega e hambúrguer de pescado. Além de introduzir essas espécies no cardápio, aumentando a variedade nutricional, estimulou a estruturação e o fortalecimento das ações deste grupo de mulheres, além de valorizar a identidade cultural e alimentar local.
Também foi possível identificar a organização de grupos produtivos e o diálogo da sociedade civil organizada com as/os gestoras/es públicas/os. Segundo Morgana Maselli, integrante da Secretaria Executiva da ANA e do Grupo de Trabalho (GT) de Metodologia da pesquisa-ação, a iniciativa analisou como as experiências de aquisição e fornecimento de alimentos da agricultura familiar para o PNAE podem fomentar a agroecologia nos territórios e promover processos organizativos, além de incentivar ações de educação e comunicação. “É importante dar visibilidade aos benefícios da agroecologia na promoção da alimentação saudável e na interação entre campo e cidade”, explicou.
Maselli acrescenta ainda que “nas experiências onde há diálogo do poder público, por meio do gestor do PNAE, com as organizações da agricultura familiar e da sociedade civil, o funcionamento do Programa atingiu melhor desempenho e os índices de compra de alimentos diretamente dos/as agricultores/as são maiores”.
Editado por Yuri Simeon