Pesquisa nacional mapeará condições de trabalho de cozinheiras e nutricionistas na alimentação escolar

Pesquisas Conta Pra Gente Cozinheira e Nutricionista buscam identificar as condições oferecidas pelo poder público para a execução do Pnae pelo país

17 de fevereiro de 2025 | Destaque, Notícias

Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)

O governo Lula deu um importante passo rumo à alimentação escolar saudável no início de fevereiro, ao diminuir para 15% o limite do poder de compra de ultraprocessados e processados com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Porém, será que os municípios e estados brasileiros oferecem condições para nutricionistas e cozinheiras implementarem essa adequação nas escolas?

Essa é uma das perguntas que o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) se propõe a desvendar com o lançamento das pesquisas Conta Pra Gente Cozinheira e Nutricionista, lançadas nesta segunda-feira (17). Realizadas nacionalmente, de forma on-line, as pesquisas possuem questionários específicos para as respectivas categorias profissionais, dialogando com dilemas e desafios relatados para garantir diariamente uma alimentação escolar que siga as diretrizes do Pnae.

Segundo a assessora executiva e de pesquisa do ÓAÊ, Débora Olímpio, as pesquisas têm um papel importante de “identificar as condições de trabalho das cozinheiras e nutricionistas para possibilitar o fornecimento de uma boa alimentação para os estudantes”. Ela ressalta que o levantamento ajudará a compreender diversos aspectos dessas atuações, como por exemplo, “o trabalho das cozinheiras para além de simplesmente cozinhar os alimentos”.

O número insuficiente de nutricionistas e cozinheiras, as cozinhas escolares com infraestruturas inadequadas e o baixo investimento financeiro por parte de estados e municípios são alguns dos principais problemas na alimentação escolar, de acordo com pesquisa feita em 2023 pelo Observatório.

Débora, que já foi cozinheira escolar, reforça a necessidade de ouvirmos o que cozinheiras e cozinheiros escolares têm a dizer sobre seu papel dentro das escolas brasileiras.

“A cozinheira dentro da escola tem o papel de educadora alimentar, pois tudo perpassa a cozinha de uma escola. A maneira que a cozinheira se relaciona com os alimentos vai influenciar na relação dos educandos. Então, valorizar o trabalho diário das cozinheiras escolares é valorizar a alimentação escolar”, defende.

“A cozinheira dentro da escola tem o papel de educadora alimentar, pois tudo perpassa a cozinha de uma escola”

Em todo o país são muitos os desafios para a execução do Pnae. “Estruturas precárias, com espaço insalubre, falta de equipamentos e utensílios, falta de valorização profissional e pressão psicológica exercida pelos gestores das escolas” devem aparecer na pesquisa como obstáculos recorrentes, na opinião de Bruno Raphael Leitão, cozinheiro escolar em Manaus (AM).

Outro estudo do ÓAÊ, de 2024, constatou que 64% das escolas brasileiras não possuem ou utilizam refeitório e 27% não possuem ou utilizam cozinhas. Com média de menos de duas cozinheiras/os por escola, totalizando pouco mais de 272 mil profissionais no país.

O cozinheiro escolar, que também é químico, mestre em Ciência e Meio Ambiente e professor de gastronomia, vê com entusiasmo a iniciativa, por possibilitar melhorias na alimentação escolar. “A pesquisa poderá trazer melhores condições de trabalho para estes profissionais, valorização da mão de obra e até mesmo qualidade de vida no ambiente escolar”, avalia.

Ele alerta que “o ambiente da cozinha nas escolas é um submundo” esquecido pelos gestores públicos. “A maioria [dos gestores] não vê a real importância desse profissional para a escola. Muitos fingem valorizar ou saber a importância, mas não nos incluem em diversas atividades que ocorrem nas escolas”, relata.

“O ambiente da cozinha nas escolas é um submundo”

A pesquisa classifica como cozinheiras/os todas e todos as/os profissionais que atuam nas cozinhas escolares, compreendendo que são muitos os casos pelo país de profissionais contratados pelas gestões municipais e estaduais como “manipuladores de alimentos” ou “merendeiras/os” para, na prática, exercer a função de cozinheiras/os – porém em condições trabalhistas e de infraestrutura inadequadas.

Bruno espera que, ao trazer esta realidade de precarização à tona, a pesquisa contribua para se “chegar ao ponto de termos, no mínimo, o respeito e a valorização pela nossa função e que as autoridades políticas invistam na reforma, nos equipamentos e utensílios para assim termos um ambiente de trabalho digno”.

A percepção sobre a relevância do estudo é compartilhada por Andréa Bruginski, nutricionista e mestre em Saúde Pública. Com 14 anos de atuação acompanhando a execução do Pnae no estado do Paraná, ela analisa que a pesquisa “é fundamental no sentido de mapear tanto o que se constitui como desafio comum, como aqueles que são mais específicos, mas nem por isso perdem seu grau de importância. A regionalidade também já demonstrou apresentar diferentes desafios, e isso é importante de ser mensurado”.

Ela aponta a necessidade de uma maior conscientização dos gestores públicos para “identificarem no nutricionista um profissional de saúde, voltado à promoção da saúde”. E descreve que ainda é difícil a aceitação da importância do papel de nutricionistas no Pnae. “Há muita dificuldade na valorização do nutricionista, que quanto mais é competente no sentido de fazer cumprir as normativas do Pnae, mais é questionado pelos gestores”, expõe.

“Há muita dificuldade na valorização do nutricionista, que quanto mais é competente ao cumprir as normativas do Pnae, mais é questionado pelos gestores”

Andréa explica que é preciso avançar na compreensão coletiva sobre a importância de seguir as diretrizes do Pnae, incluindo a restrição dos ultraprocessados e a limitação de doces. “Tal limitação é muito questionada pelos gestores escolares e os estudantes trazem produtos ultraprocessados de casa”. A compra da agricultura familiar também precisa de atenção, pois “há a necessidade de uma maior aproximação com os agricultores, evitando listas de compras com itens não produzidos pela agricultura familiar ou fora de sazonalidade”.

Para Luana de Lima Cunha, nutricionista, assessora de sistemas alimentares da FIAN Brasil e integrante do núcleo executivo do ÓAÊ, a expectativa é que “a escuta das e dos nutricionistas do Pnae venha gerar subsídios para a incidência política que contribuam para melhorar as condições de atuação dessas/es profissionais”.

Ela explica como esses dados servirão de base para melhorar a qualidade da alimentação escolar. “As pesquisas Conta Pra Gente fazem parte da metodologia do ÓAÊ de escuta da comunidade escolar. Processos anteriores com agricultores, estudantes e conselheiros geraram resultados importantes para compreender a realidade de quem está na ponta, convivendo diariamente com o Pnae, as dificuldades enfrentadas e as potencialidades”.

“Essa visão do todo nos ajuda a compreender processos importantes para a garantia da execução do Pnae, com respeito a suas diretrizes e adequação das recomendações à luz do direito humano à alimentação e nutrição adequadas (Dhana)”, conclui.

Pular para o conteúdo