Referência para o mundo, alimentação escolar brasileira ainda é subfinanciada

Orçamento federal do PNAE é de R$ 0,50 por dia para 70% dos estudantes; Em projeção otimista, com reajustes anuais baseados na inflação dos alimentos, levará 10 anos para valor chegar a R$1

25 de setembro de 2025 | Notícias, Reajustapnae

Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é reconhecido como uma das políticas públicas mais importantes do mundo no combate à fome, assegurando refeições para aproximadamente 40 milhões de estudantes da educação básica. No entanto, a política enfrenta um sério desafio: a defasagem do orçamento diante de reajustes esporádicos abaixo da inflação dos alimentos.

O valor destinado atualmente pelo governo federal para 27,8 milhões de estudantes matriculados no ensino fundamental e médio da rede pública – representando 70% do total de estudantes atendidos pelo programa – é de apenas R$ 0,50 por estudante/dia. Os valores por estudante – per capita – variam de acordo com a modalidade de ensino.

Estados e municípios devem complementar esse montante com recursos próprios, porém, em muitos casos, os recursos federais são a única garantia para o fornecimento de alimentação no ambiente escolar. Em regiões como Norte e Nordeste, mais de 30% dos municípios declararam não ter conseguido complementar os repasses em 2022.

Nota técnica divulgada pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) aponta que, mesmo em um cenário favorável de reajustes anuais baseados na inflação dos alimentos (algo inédito até então), levará 10 anos para o valor per capita do ensino fundamental e médio chegar a R$ 0,99 por dia.

Este aumento progressivo ainda não existe. Ele poderá vir a ser assegurado com a criação, em lei, de um mecanismo de reajuste anual automático dos valores per capita do PNAE, fazendo apenas a correção inflacionária, sem aumento no poder de compra do programa. Porém, na prática, o programa enfrenta anos de intervalo entre cada reajuste e os valores não acompanham a inflação de alimentos.

O último reajuste ocorreu em 2023, no início do governo Lula, com o aumento médio de 34% nos valores per capita do PNAE, após o programa passar seis anos sem reajuste.

O que está em jogo são as condições de execução do PNAE no médio e longo prazo, seguindo as diretrizes que tornam o programa uma referência internacional, explica a coordenadora do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), Mariana Santarelli.

“O Brasil é uma referência para o mundo porque o estado brasileiro, por meio de políticas públicas como o PNAE, tem compromisso com o direito humano à alimentação, e entende a alimentação escolar como um investimento em saúde e educação. Isso não é pouca coisa”, explica. “Poucos países no mundo tem um programa tão abrangente quanto o nosso. Por isso é tão importante sua sustentabilidade financeira, por meio da criação de um mecanismo permanente que assegure seu poder de compra”, ressalta Santarelli.

Falta orçamento ou falta prioridade?

O enfraquecimento do poder de compra do orçamento da alimentação escolar compromete diretamente a quantidade e qualidade das refeições oferecidas e coloca em risco o direito básico de milhões de crianças e adolescentes.

Segundo o ÓAÊ, o PNAE precisa de condições orçamentárias adequadas para cumprir seu papel. “Essa defasagem, que se acumula a cada ano em que não acontece o reajuste, é especialmente preocupante diante da relevância do PNAE para a garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) de milhões de crianças e adolescentes em situação de insegurança alimentar”, destaca trecho da nota técnica.

A partir de 2026, 85% do orçamento do PNAE deverá ser utilizado para a compra de alimentos in natura e minimamente processados. E aguarda sanção presidencial projeto de lei que aumenta de 30% para 45% o percentual mínimo dos recursos do programa destinados para a compra direta de alimentos da agricultura familiar. São importantes medidas para a defesa de uma alimentação escolar mais saudável, promovendo a restrição de ultraprocessados, mas desafiadoras considerando a ausência de previsões de aumento de recursos para o programa.

Enquanto isso, o país abre mão de até R$ 3,8 bilhões anuais em isenções fiscais concedidas a fabricantes de bebidas adoçadas, como refrigerantes. Entre 2015 e 2024, as isenções para fabricantes de bebidas açucaradas e alcoólicas totalizaram R$ 9,5 bilhões.

Esses valores, se revertidos, poderiam sustentar a correção inflacionária necessária para a alimentação escolar.

Reajuste é viável e legal

Do ponto de vista jurídico, a correção inflacionária dos valores per capita do PNAE não se enquadra como criação ou aumento de despesa, mas como manutenção de uma política já existente, aponta parecer jurídico apresentado pelo ÓAÊ.

Projeções elaboradas pelo observatório mostram que, mesmo com reajustes anuais vinculados à inflação de alimentos e bebidas, o impacto seria gradual e absorvível: o orçamento do PNAE passaria de R$ 5,27 bilhões em 2025 para R$ 8,64 bilhões em 2035 — um crescimento de 64% ao longo de 10 anos. Isso representa apenas a recomposição do poder de compra, não um aumento real de investimento por estudante.

Assim, é compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) a proposta de criar um mecanismo de reajuste automático do PNAE, como defende o observatório com a campanha Reajusta PNAE Sempre. O objetivo é aprovar no Congresso Nacional um mecanismo de reajuste anual e automático para a alimentação escolar, fixado pela inflação dos alimentos (IPCA Alimentos e Bebidas). Hoje estão em tramitação no Congresso 15 projetos de lei sobre o tema, segundo levantamento do ÓAÊ.

Para a entidade, o reajuste anual decorre da constatação de que “os valores per capita do PNAE atualmente praticados pelo programa federal encontram-se defasados em relação à inflação observada nos itens alimentícios, comprometendo a capacidade dos entes executores de garantir refeições suficientes e adequadas aos estudantes da educação básica pública, e de cumprir com as diretrizes nutricionais desta política”.

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