Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)
Durante a COP28, em Dubai, 134 países participantes da conferência da ONU sobre mudanças climáticas, incluindo o Brasil, assinaram uma declaração determinando a inclusão, até 2025, da agricultura e dos sistemas alimentares em suas metas climáticas – as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC).
Primeira resolução da conferência a relacionar diretamente os sistemas alimentares e as mudanças climáticas, a “Declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática” foi apresentada durante o evento “Transformando os Sistemas Alimentares Face às Mudanças Climáticas”, na última sexta-feira (01).
“Salientamos que qualquer caminho para alcançar plenamente os objetivos a longo prazo do Acordo de Paris deve incluir a agricultura e os sistemas alimentares. Afirmamos que a agricultura e os sistemas alimentares devem urgentemente adaptar-se e transformar-se para responder aos imperativos das mudanças climáticas”, destaca o documento.
A alimentação escolar como prioridade
O documento aponta o papel da alimentação escolar, entre outras políticas públicas, para garantir sistemas alimentares sustentáveis e inclusivos, combatendo desigualdades e garantindo o direito humano à alimentação e nutrição adequadas (DHANA) para crianças, mulheres, agricultores familiares, povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais.
A declaração aponta a necessidade de se “promover a segurança alimentar e nutricional, aumentando os esforços para apoiar as pessoas vulneráveis através de abordagens como sistemas de proteção social e redes de segurança, alimentação escolar e alimentação pública, programas de aquisição, pesquisa e inovação direcionados e centrados nas necessidades específicas das mulheres, crianças e jovens, povos indígenas, pequenos agricultores, agricultores familiares, comunidades locais e pessoas com deficiência, entre outros”.
Para Mariana Santarelli, coordenadora do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), a declaração representa um importante passo e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é um exemplo positivo para o mundo.
“O PNAE é um importante indutor de sistemas locais de abastecimento, por conta de seu mecanismo de compra da agricultura familiar, que favorece a aquisição de alimentos no mesmo município, ou em uma mesma aldeia ou comunidade. Um programa que, quando bem executado, tem baixíssima pegada de carbono”, explica Santarelli.
PNAE como referência internacional
No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) atende diariamente 40 milhões de estudantes de todos os municípios do país. O programa determina que, ao menos, 30% de seus recursos sejam destinados para a compra de alimentos da agricultura familiar – priorizando a aquisição de mulheres, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e áreas de reforma agrária. E há também um limite de 20% dos recursos para gastos com alimentos processados e produtos ultraprocessados.
Essas são duas das principais diretrizes do programa, que fazem dele uma referência internacional de política voltada para a promoção da alimentação adequada e saudável para crianças e adolescentes, com geração de renda e desenvolvimento local sustentável.
Ao assegurar que agricultores familiares – sobretudo povos indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais – façam a venda de alimentos para o PNAE, há um processo de democratização no acesso a esse programa. Os alimentos tradicionais das culturas alimentares desses povos estarão mais presentes nos cardápios, substituindo os produtos alimentícios industrializados e ultraprocessados.
Ao ativar os circuitos curtos de comercialização, essa medida contribui para o enfrentamento das mudanças climáticas. Com a produção agroecológica ou de menor impacto ambiental e a garantia de que os alimentos não precisarão percorrer grandes distâncias para abastecer as escolas.
Em 2019, 40% dos municípios brasileiros utilizaram menos de 20% dos recursos federais do PNAE para a compra de processados e ultraprocessados – dois anos antes de entrar em vigor a resolução que estabeleceu o limite de 20% para gastos com estes produtos. Entre 2015 e 2019, houve uma redução de 10,5% destes gastos com a compra de alimentos processados e ultraprocessados.
Nesta direção, algumas experiências se destacam como importantes conquistas neste ano. O Rio de Janeiro proibiu alimentos ultraprocessados em todas as escolas públicas e privadas do município. O estado do Amazonas proibiu a oferta e venda de embutidos, enlatados e bebidas artificiais no ambiente escolar da rede pública estadual de ensino. E na Bahia, desde o início deste ano, 100% dos recursos do PNAE devem ser investidos na compra direta de alimentos oriundos da agricultura familiar.
Uma pesquisa lançada em novembro deste ano apontou a relação de fortalecimento mútuo entre agricultura familiar, agroecologia e o PNAE, aumentando a variedade de itens fornecidos ao PNAE quando é garantido à agricultura familiar o acesso aos mercados institucionais. Porém, “a falta de vontade política por parte das autoridades públicas está entre as principais barreiras para se garantir as compras da agricultura familiar e a restrição de ultraprocessados”, aponta estudo realizado em 2023 pelo ÓAÊ.