Assim acontece a entrada do agronegócio nas escolas públicas brasileiras, com o intuito de disputar uma narrativa ideológica, obstruir a reflexão a respeito de sua ação devastadora à sociedade e ao meio ambiente e dissolver críticas, em um contínuo processo de interferência para a formação e formatação da consciência de estudantes desde a infância.
Afirmações de que o Brasil alimenta o mundo são muito caras ao agronegócio. Vincular seus lucros escandalosos ao crescimento do PIB nacional, atrelando a imagem do setor como cada vez mais sustentável e responsável ecologicamente e como um grande gerador de empregos, parece ser a estratégia da década para manter o agro prosperando rumo ao seu primeiro trilhão ainda neste ano de 2021. Esses argumentos tiram o foco dos privilégios tributários do qual o setor é beneficiário; das acusações de conflitos e extermínio de povos originários e comunidades tradicionais; da intensificação da degradação do meio ambiente, das queimadas e desmatamentos; e da relação direta com o aquecimento global, as mudanças climáticas, tempestades de poeira e proliferação de doenças. Mas, principalmente, perde-se o senso de realidade diante da constatação de que o país retrocedeu ao século passado em seus índices de fome. Paradoxalmente, 56% da população brasileira está implicada em algum grau de insegurança alimentar, e aproximadamente 19 milhões de brasileiros estão, realmente, passando fome.
Mas, para determinadas “mães”, a forma como o agronegócio é apresentado nos livros escolares deve se tornar o novo ponto de discórdia sobre o conteúdo dos materiais didáticos no Brasil. Isso porque representantes do grupo “Mães do Agro”, que lideram o Movimento De olho no Material Escolar, têm tido cada vez mais entrada no Ministério da Educação (MEC) por influência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), incidindo sobre mudanças em textos que “discriminam o agronegócio” e desconsideram sua importância para o país. Entre as críticas recebidas, como estão atualmente, alegam que os materiais abordam exageradamente prejuízos da pecuária ao meio ambiente, o trabalho escravo em lavouras e o uso de agrotóxicos.
Em um profundo processo de interferência na educação brasileira, têm sido cada vez mais frequentes reuniões entre agentes privados, a portas fechadas, com agentes públicos para discutir não somente o conteúdo dos materiais divulgados em sala de aula, mas também sobre a formação de professores. Tendo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como ponto de partida, esses grupos tentam indicar abordagens para a elaboração do currículo da educação básica, a serem trabalhadas especialmente nas disciplinas de História, Geografia e Ciências.
As investidas do agronegócio na educação e sua presença nas escolas não são novidades para quem acompanha a educação e a entrada de novos atores nesse campo. É preciso analisar que a tentativa de revisionismo histórico não é uma ação isolada, mas parte de uma estratégia que se iniciou no final da década de 1990 e no início dos anos 2000, quando a imagem do agronegócio foi fortemente desgastada pela sua vinculação com o trabalho escravo e, principalmente, com o massacre de Eldorado dos Carajás.
À medida que as críticas se acumulam, as empresas que compõem o setor empenham-se em melhorar sua imagem e ganhar, prontamente, a opinião pública. Assim acontece a entrada do agronegócio nas escolas públicas brasileiras, com o intuito de disputar uma narrativa ideológica, obstruir a reflexão a respeito de sua ação devastadora à sociedade e ao meio ambiente e dissolver críticas, em um contínuo processo de interferência para a formação e formatação da consciência de estudantes desde a infância.
*Essa prévia é do artigo publicado no Anuário do Observatório da Alimentação Escolar. Clique aqui para ler o texto completo.